Os franceses festejam pelas ruas como se a vitória já não lhes fugisse. É vê-los e é ouvi-los. Griezmann é melhor do que Ronaldo. Um homem de libertação. Vencedor dos alemães. Ah! Como é extraordinário vencer os alemães! Os Campos Elísios encheram-se num repente de automóveis e gente a pé, sonhando com amanhãs que cantam.
Cantará o galo no domingo? Não o galo de Barcelos, tão portuguesinho, justiça se lhe faça, mas o galo da Gália, vaidoso e agora mais cheio de si próprio do que nunca.O França-Alemanha foi lá no sul, na fervente Marselha que também já viu a Seleção Nacional, neste Europeu, derrotar a Polónia nas grandes penalidades.
Mas a festa é por toda a parte. «Quero ver ‘Merci Grizou’ escrito sob o Arco do Triunfo», sonha um dos muitos adeptos que desliza rua abaixo como num rio. «Quero ver Lloris levantar a taça em Saint-Denis!».Quem vive Paris nos dias que correm não foge à ideia de invencibilidade de uma seleção francesa que atingiu o máximo do seu delírio com a eliminação dos alemães.
Agora sim, podem tudo.Este é, também, o Europeu da quebra das maldições, da morte dos ‘borregos’. A Alemanha eliminou a Itália; a França eliminou a Alemanha. Falta Portugal vencer a França para que o ciclo se cumpra.Scolari: «Fernando Santos é nome de Homem!»Futebol e cinema não andam tão distantes quanto isso.
Quando Vladimir Menshov realizou Moscovo Não Acredita em Lágrimas, contou a história de gente que subiu na vida à custa de pulso e do seu próprio sacrifício. É essa, no fundo, o trajeto desta seleção portuguesa no Europeu de França. Ultrapassando dúvidas, contrariando críticas, abatendo superstições. E dobrando o cabo da descrença como Bartolomeu Dias.Fernando Santos e Cristiano Ronaldo chamaram-lhe o «sonho da final». Cumpriu-se. Agora chamam-lhe o «sonho da vitória». Está ainda por cumprir. Será o passo maior de todos. Vencer não apenas uma final: vencer a França no seu próprio campo, no seu próprio país, algo que nunca ninguém fez em fases finais de Europeus (1984 e 2016) e Mundiais (1998).Se Moscovo não acreditava em lágrimas, o povo português também não acredita, ou não quer acreditar.
Desde os mais anónimos que vivem em França, lutando pela vida, aos mais conhecidos que se deixam encantar pelo jogo dos ingleses e por esta equipa portuguesa sempre tão criticada mas à beira de conseguir aquilo que nenhuma outra conseguiu.
Lá de Cantão, na China, Luiz Felipe Scolari não tem dúvidas: «Estamos na final com todo o mérito. Jogamos como uma equipa! E quando jogamos como uma equipa, as coisas acontecem porque temos jogadores de enorme talento. Fernando Santos é nome de Homem! Armou um conjunto ao longo da competição e tudo está dando certo. Estou muito confiante. Ele tem qualidades que às vezes não são notadas, mas merece o apoio de todos nós. É com ele no comando que vamos ser campeões da Europa!».O jogo que nunca que se ganhou: Portugal-França. Três meias-finais de frustração. «Já perdemos vezes demais com a Alemanha», assinalava ontem um título do Libération. Ora, e Portugal? Já não perdeu demais com a França?Manuel Alegre: «Soltem a bruxa!»«Já perdemos demais com a França. E, por isso, é preciso ganhar-lhes», diz Manuel Alegre. «O mais difícil já foi feito. Chegámos até aqui à custa de muitas contrariedades e contra a opinião de muita gente.
É hora de resolver esse problema que temos com nós próprios. E não é preciso ir à bruxa para vencer a França. É preciso, isso sim, soltar a bruxa, esse talento que nós temos que é como o duende de Llorca. Soltem o talento português!».Arma derradeira. A pátria somos nós. A pátria trata-se por tu! Combater a confiança francesa com vagas de talento alicerçadas numa organização irrepreensível. Não é segredo nenhum: apenas uma constatação.«Mas Deus é francês», comenta Jorge Pereira, responsável pela empresa ROFF em Paris, que já cá mora há uns anos e sabe como é difícil suportar a arrogância francesa em tempos de vitórias. «Se Deus for francês, a França ganhará nem que seja com a ajuda do árbitro. E se a França ganhar, vamos passar uns dias complicados. Alguém lhes disse que eles são o centro do mundo e eles acreditam nisso piamente. Como vês, só falam da França e daquilo que a sua seleção vai ou não conseguir fazer. Nem imagino o ambiente se Portugal for campeão da Europa. Será digno de um funeral nacional…».Marta Fernandes é de Rendufe, Guimarães. Está há 17 anos em Paris, trabalha como concierge e nem quer pensar na derrota portuguesa: «Bonito era a gente dar-lhes uma coça. Veja como só falam da França, França e França. Parece que nem há adversário na final. É impressionante! No caso de ganharmos vamos passar aqui uns momentos difíceis, porque eles têm mau perder. Se ganhar a França, temos de aturar a vaidade deles. Não há muito por onde fugir. Era preferível termos jogado contra a Alemanha».Os franceses falam da França e os portugueses de Portugal. É assim nos dias que se escoam para a final de amanhã. Amanhã é tão longe e, no entanto, é já amanhã.António Melo, ator, diretor de atores, tem um elogio especial para o selecionador: «Aconteça o que acontecer, Fernando Santos é o primeiro engenheiro que cumpriu prazos. Disse que só voltava a 11 de Junho e cumpriu».Sim, Portugal ficou até ao fim. Como Fernando Santos sonhou e muitos o criticaram por ter a coragem de sonhar. Um sonho já está sonhado, falta sonhar outro, mais ambicioso, mais largo, mais como quem cumpre um desígnio da vida.«Bem, então que ganhe o melhor», diz a senhora do supermercado, sem metafísica nenhuma. E eu, sorrindo, saí…