É insólito, mas aconteceu. A ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, deu como certo um veto presidencial ainda antes de ele acontecer. Depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter feito sucessivos reparos sobre as dúvidas que lhe suscita a lei de acesso aos dados bancários, Leitão Marques assumiu ontem no final do Conselho de Ministros que o governo está à espera que o diploma não seja promulgado por Belém e até adiantou a disponibilidade do executivo para “rever” a sua posição.
“Aguardaremos a devolução do diploma pelo senhor Presidente da República e as razões por ele invocadas para rever a nossa posição, sendo que as duas primeiras partes [acordo com os Estados Unidos e transposição de uma diretiva comunitária] terão que ser naturalmente regulamentadas com caráter de urgência, tendo em conta as obrigações internacionais do Estado português nessa matéria e também as consequências que adviriam da não regulamentação para os bancos portugueses”, admitiu a ministra depois de questionada pelos jornalistas sobre a hipótese – há semanas avançada pelo SOL – de um veto presidencial.
Marcelo hesita Na quarta-feira começaram, porém, a vir de Belém indicações de que Marcelo poderia, afinal, optar por não vetar politicamente o diploma do governo, enviando-o em vez disso para a apreciação do Tribunal Constitucional.
Depois de semanas de indicações no sentido de um veto político – o primeiro de Marcelo a uma lei do governo –, começaram a vir de Belém sinais de dúvida sobre a melhor forma de encarar o problema para evitar uma guerra aberta com António Costa.
Ontem, o Expresso citava uma fonte próxima do Presidente da República para explicar o raciocínio que estará a ser feito por Marcelo Rebelo de Sousa. “Se tiver a certeza de que os juízes chumbam o diploma, o PR pode preferir esta via. Evita a pega de caras com o Governo”, dizia a fonte próxima de Marcelo.
A hesitação presidencial seria, assim, explicada com uma tática para evitar leituras de confronto com um governo que até já deu sinais de estar disponível para alterar a legislação por forma a acautelar as preocupações já expressas pelo Presidente.
Sendo difícil – até para um experimentado constitucionalista como Marcelo – advinhar o sentido da decisão do Tribunal Constitucional, em Belém recordava-se que o próprio PCP veio alertar para a eventual inconstitucionalidade do decreto-lei.
Numa coisa não há dúvidas na cabeça do Presidente: tal como está a lei não pode passar. De resto, Rebelo de Sousa tem um parecer da Comissão de Proteção de Dados que vai precisamente ao encontro das suas preocupações com a privacidade dos contribuintes.
Recorde-se que a lei aprovada em Conselho de Ministros permite à Autoridade Tributária aceder aos saldos bancários de qualquer cidadão sempre que estes ultrapassem os 50 mil euros, ainda que não recaia sobre o contribuinte qualquer suspeita.
A lei foi criada a partir da transposição de uma diretiva europeia – que terá de ser vertida para a lei nacional – que pretende tornar mais fácil a partilha de dados bancários entre vários estados. Mas o governo aproveitou a para ir mais longe e criou um diploma que na prática deixa o Fisco aceder a dados de qualquer cidadão com contas superiores a 50 mil euros.
António Costa – que nisto tem o apoio do BE, mas não o do PCP – apresentou a medida como parte fundamental do combate à evasão fiscal, dando a entender que insistiria nela na rentrée do PS. Mas pouco depois disso começaram a vir do Governo sinais de que, afinal, haveria recuo – como ficou claro nas declarações de ontem de Maria Manuel Leitão Marques.