Com dez contos se montou a Porto Editora

Foi durante uma conversa no mítico café Piolho, no Porto, que um grupo de 19 professores do básico e do superior decidiram montar uma editora, em 1944. A mulher do fundador, e mãe de Vasco Teixeira, ainda trabalha todos os dias na Porto Editora.

Vasco Teixeira, filho de um dos fundadores da Porto Editora, conta ao SOL como em 1944 nasceu uma das mais antigas editoras do país: a Porto Editora. Com um cunho «verdadeiramente familiar», Vasco Teixeira conta alguns dos episódios que ligavam a editora a autores ligados ao Partido Comunista, como Óscar Lopes, durante o período do Estado Novo.

O diretor editorial conta também que ainda hoje a sua mãe de 86 anos vai à empresa para trabalhar.

Em que ano nasceu a Porto Editora?

Em maio de 1944. Um ano antes do final da II Guerra Mundial e pela mão de 19 professores do ensino secundário e universitário, maioritariamente universitário, entre os quais estava o meu pai. Juntavam-se no café Piolho, à beira da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e um dia estavam a conversar e decidiram juntar dez contos para montar uma editora. O meu pai era o mais novo, foi a quem eles disseram: ficas a trabalhar.

Que idade tinha o seu pai na altura?

Tinha 38 anos e os outros andavam todos na casa dos 50 ou dos 60, etc. Quando comecei a conhecer os sócios do meu pai ou já eram muito velhos ou já tinham morrido.

Como passou a empresa para a sua família?

A Porto Editora tem uma matriz de sempre reinvestir grande parte dos seu lucros na empresa. Foi uma regra que eles estabeleceram no início. A empresa foi sempre crescendo e foi ficando mais valorizada. E quando os sócios começaram a falecer o Fisco começou a avaliá-la e a apresentar um imposto sucessório pesado. Esse imposto fazia com que esses professores que tinham a sua casa, o seu carro e pouco mais, tinham de pagar bastante imposto por terem quota na Porto Editora. Acabaram por vender a quota porque se não teriam de vender a casa. Foi isto que fez com que eles fossem saindo. O meu pai que estava lá a trabalhar, ia pedindo dinheiro emprestado e ia comprando as quotas e por isso a empresa foi ficando cada vez mais concentrada na família. Foi um processo natural ao longo dos anos.

Como chega à Porto Editora?

Nasci em 1955, onze anos depois da Porto Editora. Vou à empresa desde pequeno. Depois a minha mãe também trabalhou lá com o meu pais durante muitos anos. A minha mãe licenciou-se em Química, conheceu o meu pai na faculdade e casaram. Ela depois foi trabalhar para a Porto Editora para o ajudar. Tem 86 anos e ainda hoje lá trabalha.

A sua mãe vai lá todos os dias?

Todos os dias ela vai à Porto Editora para trabalhar e fica lá. Saio às 19h/19h30 e ela ainda lá fica.

E quando começa na Porto?

Fiz o curso de Engenharia Civil, ainda trabalhei na área, na Comissão de Planeamento e depois trabalhei numa empresa de construção civil. Em 1980, ao fim de três anos de atividade na área da engenharia fui trabalhar para a Porto Editora. Depois o meu pai faleceu em 1987, tenho um irmão que é economista e também lá está desde 1979/80, por aí. Tenho uma irmã que é da área das Línguas e trata da parte dos dicionários. Estamos lá os quatro: os três filhos e a mãe. É uma empresa verdadeiramente familiar.

Mas não pensava ir para a empresa quando começou a estudar?

Nunca pensei muito nisso. Nunca exclui mas também nunca pensei. Gostava de engenharia e gostava do que fazia mas também sempre tive uma queda para a gestão. Aliás, os dois empregos que tive na área da engenharia, foram mais de gestão do que execução técnica. Os engenheiros, naquela altura, tinham uma preparação muito orientada para a gestão dos processos de construção. O que fez com que variadíssimos engenheiros ascendessem a lugares de gestão, desde o engenheiro Guterres ao Jardim Gonçalves.

Os professores que fundaram a Porto Editora continuavam a dar aulas paralelamente?

Sim. Desses professores praticamente nenhum trabalhava na Editora. O meu pai é que dava aulas e quando saía da faculdade ía para a editora, que no início era pequena. Mas o meu pai prejudicou, de certa forma, a carreira universitária em detrimento da editora. Nunca quis exclusividade, não foi a catedrático, fez o doutoramento e congelou ali. Só dava uma disciplina, o mínimo possível para se manter como professor e gostava de ser professor. Foi sempre professor até se reformar aos 60 e muitos anos.

Não houve guerras na empresa?

Que saiba nunca houve guerras. Entre o meu pai e os sócios nunca houve. Devem ter tido as suas discordâncias mas não há nenhuma história de tensão especial, antes pelo contrário. Também tinham um relacionamento bom entre eles, já eram amigos e conhecidos antes de se tornarem sócios.

E como se organizavam?

Logo no início tiveram que impor algumas regras e definiram que a editora não era para editar livros dos sócios. Porque havia já um ou outro que queria começar logo a editar algumas coisas, e por isso, de certa forma, profissionalizaram os processos de decisão editorial e separaram-nos da parte acionista. Se começassem a editar o que cada um queria, dentro de pouco tempo tinham ido à falência. A editora não era um instrumento de publicação de cada um deles.

O que os levou a criar uma editora, quando em 1944 havia pouco para editar?

Não sei bem. Provavelmente porque se respirava já um período de fim de guerra e havia vontade de fazer coisas. Culturalmente, o Porto era muito rico. Ainda hoje não é pobre, propriamente dito, mas perdeu muito nos últimos 20 ou 30 anos. Mas naquela altura o Porto era intelectualmente muito rico. Tinha muitas tertúlias e os intelectuais da cidade conversavam muito entre eles e conviviam. Por isso, de certa forma, estimulavam-se nesse tipo de iniciativas e resolveram avançar com um projeto destes que é interessante.

Só editavam livros escolares no início?

Não. Inicialmente resolveram montar uma editora. Mas como todos eles eram da área da educação, de certa forma a editora especializou-se bastante nessa área. Os primeiros contratos são de dicionários, são da Historia da Literatura Portuguesa, obras de referência importantes. Os livros escolares são uma sequência lógica mas não foram exclusivamente escolares. Aliás, penso que nos primeiros anos não editaram nenhum livro escolar.

Como era a relação da editora com a censura?

O único episódio que me lembro do meu pai contar era de ele ter sido testemunha de defesa de Óscar Lopes, que era autor da História da Literatura e que foi preso. O meu pai tentou ajudá-lo e defendeu-o. Foi ao tribunal dizer que o conhecia bem e que era uma pessoa decente. É o único episódio que me lembro. Porque a editora como se aliou muito à referência, aos dicionários e à educação, manteve-se afastada dos ensaios e das políticas. E por isso não tinha tensão com a censura.

Mas esses livros também eram revistos pela censura?

Não sei, provavelmente. Esse da História da Literatura só não foi proibido porque não era propriamente faccioso e não tinha uma orientação política. Reconheço alguma orientação de esquerda na História da Literatura e há quem reconheça. Mas a censura não era suficientemente hábil para perceber isso. Agora os autores eram claramente ligados ao Partido Comunista, foram os dois perseguidos e presos mas por outras coisas. Não propriamente pela História da Literatura, embora a História tenha um cheiro de esquerda.

O seu pai conheceu bem o Óscar Lopes e o António José Saraiva?

Muito bem. Melhor o Óscar Lopes que vivia no Porto. Também os conheci muito bem, porque depois o meu pai faleceu e fiquei com a área editorial. Relacionava-me com os autores, falei muitas vezes com Óscar Lopes e, tanto ele como eu, preocupávamo-nos com a continuidade da obra da História da Literatura para além do previsível. Acabou por acontecer o falecimento deles e, infelizmente, as soluções que tentámos montar não funcionaram.

Está a falar de quê?

Eles chegaram a incorporar na equipa autoral pessoas que iriam dar continuidade a novas edições da História da Literatura Portuguesa. Mas, depois isso não conseguiu funcionar. Porque uma equipa de autores é preciso ser coesa, é preciso haver uma relação entre elas. Ambos chegaram a designar, e chegou mesmo a haver contratos, sucessores intelectuais. Para que, em caso de morte deles, dessem continuidade para que aquela obra que era uma referência não ficasse parada no tempo.

E isso não avançou?

Não. Correu mal.

Sabe quem eram os intelectuais designados?

Preferia não divulgar. São das pessoas mais conhecidas da área da Historia da Literatura Portuguesa.