«Não digam que em Belém não há luzes de natal: aqui há luzes, são os olhos brilhantes das pessoas». É assim que o presidente da Junta de Freguesia de Belém Fernando Ribeiro Rosa, ilustra ao SOL a decisão de continuar a não colocar iluminação de Natal numa das freguesias mais visitadas do país. Por isso, quem for a Belém nesta altura – nada mais apropriado para a quadra – não estranhe não encontrar os típicos ‘Boas Festas’ feitos de luzinhas, entrecortados de gambiarras em forma de pinheiros, bolas e azevinhos de todas as cores. É que o dinheiro que deveria ter sido gasto a colocar as iluminações típicas da quadra foi entregue em cartão a 220 famílias carenciadas.
O social democrata – que esteve ao leme extinta Junta de Freguesia de Santa Maria de Belém desde 2001 e é presidente da Junta de Freguesia de Belém desde 2013 – conta que esta é uma espécie de tradição que começou há seis anos. «Tínhamos pouco orçamento e, entre colocar luzes de Natal e dar cabazes às famílias carenciadas, resolvemos que a prioridade eram os cabazes». Na altura, o orçamento disponível para a iluminação era de cerca de 35 mil euros.
A moda pegou desde aí e tornou-se numa espécie de declaração de intenções da junta, já que Fernando Ribeiro Rosa admite que hoje o orçamento – após a união das freguesias – já não é tão apertado. Apesar de ter uma margem maior, prefere continuar a apostar neste sistema: «Há seis anos foi mesmo uma questão de opção de escolher uma coisa em detrimento da outra, hoje já temos orçamento para por alguma iluminação, mas optámos por não o fazer». Algo que, acredita, não é prejudicial para os comerciantes. «Não temos qualquer queixa dos comerciantes devido a esta escolha», garante.
Apesar de ser a única freguesia de Lisboa que não tem bairros sociais – para além de ser tipicamente associada a uma classe social mais favorecida – Fernando Ribeiro Rosa lembra que em Belém também há «pobreza envergonhada».
«Os dois maiores problemas que tenho nesta freguesia são o isolamento dos idosos e a pobreza escondida. Temos muitas famílias que não eram ricas mas viviam razoavelmente bem e que, por vários motivos, acabaram por ficar em situações difíceis», revela.
Cartão solidário para usar nas compras
A ajuda às famílias tem sido aperfeiçoada ao longo do tempo. «Nos primeiros anos dávamos efetivamente os bens e não um cartão», explica o autarca. «Era uma operação complicada que exigia muita logística, era preciso um armazém e carros para transportar as coisas que, efetivamente, não tínhamos. E depois as pessoas recebiam muitos bens de uma vez e nem tinham espaço para os armazenar», explica, adiantando outra das limitações daquele apoio: «o prazo de validade dos alimentos».
Por isso, há três anos a junta fez uma parceria com um supermercado da zona (do Grupo Jerónimo Martins), onde as pessoas podem adquirir os bens consoante vão precisando, através do cartão solidário. O cartão só serve para adquirir bens alimentares de primeira necessidade e alguns produtos de higiene. «Por exemplo, não dá para comprar álcool», exemplifica o social democrata.
As famílias que recebem ajuda são referenciadas pelos serviços de ação social e têm rendimentos mensais inferiores a 419 euros.
«Claro que isto não é linear, se alguém ganhar uns euros a mais tem na mesma direito ao apoio, temos de ser compreensivos nestas questões», indica. Um casal com dois filhos, por exemplo, recebe cerca de 400 euros em cartão.
Depois de identificadas, os técnicos da junta cruzam as fichas das famílias carenciadas com outras instituições – como é o caso da Refood (uma organização que direciona os excedentes alimentares para quem mais precisa) ou a Mesa de Nossa Senhora (o Refeitório Social da Freguesia)- para evitar duplicação de apoios.
Durante o próximo ano, serão apoiadas 220 famílias, num total de 650 pessoas. «As cartas estão a ser enviadas agora», revela o autarca. Os cartões são dados depois às famílias em privado, na sede da junta: «Não fazemos sessões públicas a mostrar que damos os cartões nem nenhuma publicidade disso. Há que respeitar a privacidade das pessoas», considera.
Para além do cartão oferta, a junta de Belém trabalha em conjunto com as paróquias e tem uma lavandaria e um balneário solidário. Para o autarca estas medidas estão mais «próximas do espírito do Natal» do que as luzes que enchem as cidades.
«Já fui acusado de fazer caridadezinha devido a esta iniciativa. Isto não é caridadezinha, é uma iniciativa que ajuda realmente as pessoas», conta, revelando: «Na última assembleia de freguesia [final de setembro] a oposição pediu-me para colocar iluminações de natal».
Fernando Ribeiro Rosa diz que ainda está a decidir se se irá recandidatar à presidência da junta e, por isso, não sabe se para o ano as luzes da freguesia de Belém continuarão a ser, unicamente, as das estrelas. Mas diz ter uma certeza sobre o trabalho da ação social da junta a que preside: «Acho que não tenho aqui ninguém com fome».