Há seis meses escrevi um perfil inteiro sobre Emmanuel Macron para este jornal. Já na altura me parecia: as pessoas subestimavam-no. Num país de tradição estatista, Macron quer menos Estado. Numa arena política de tradição partidária, Macron é independente. Numa Europa com medo de si própria e com medo do outro, Macron sorri para ambos. É natural que o subestimem. Tem 39 anos e cresce num mundo de velhos.
A verdade é que não tinha qualquer tipo de pressentimento de que o dominó do partido socialista francês e d’Os Republicanos fosse tão clamoroso que a ascensão de Macron como candidato sério se concretizasse. Mas assim foi. François Fillon, que ambicionava ser a versão sacerdotal de Margaret Thatcher, demonstrou ter um excesso de zelo pelos valores da família, concedendo empregos à prole e à respetiva esposa. O PS francês marimbou-se para Manuel Valls e escolheu alguém que, em Portugal, poderia estar no Bloco de Esquerda.
O centro partidário ardeu e sobra agora o centro independente. Há meio ano, quando Macron se demitiu de ministro da Economia do presidente Hollande, ninguém diria que seria ele o proprietário do monopólio eleitoral do projeto europeu e da moderação política – se é que esse monopólio existe para ele, e se é que esse monopólio ainda serve para ganhar umas eleições.
Importa compreender se os eleitores gauleses que durante anos votaram em candidatos do centro-direita e do centro-esquerda o faziam por crença num projeto europeu – e numa visão nem protocomunista nem protonacionalista da França – ou se o faziam maioritariamente por militância e simpatia partidária.
É esse dado que resolverá a equação de Emmanuel Macron: se os votos do establishment do centrão francês são transportáveis para uma candidatura independente ou, por outro lado, se preferem a abstenção, ou ainda, pior, se preferem Marine Le Pen e a Frente Nacional. Nesse caso, o problema não será somente do senhor Macron, mas de todos nós, especialmente na Europa pobre. O fim da União Europeia seria o início da saudade da União Europeia.
O posicionamento de Macron é curioso porque, para já, pensa. Ou não teria, lembrava a Teresa de Sousa num exímio artigo, sido assistente de Paul Ricoeur, escrito uma tese sobre “O Facto Político e a Representação da História em Maquiavel” e um ensaio sobre “Leitura e Princípios da Filosofia do Direito de Hegel”.
Ele pensa. Sabe que o Estado social, que é património da república gaulesa, só é hoje sustentável com a pertença à Europa. A esquerda também demorou até Bernstein para perceber que para ser esquerda, além de gritos, precisava de dinheiro. Nesse sentido, o espírito de Macron não é totalmente novo. É raro.
Os restantes socialistas preferem verves de protecionismo, como o nomeado do PS francês para as presidenciais deste ano, como o sr. Corbyn, no Reino Unido, o sr. Costa, em Portugal, e o tão badalado sr. Sanders, nos Estados Unidos, ou caem em abismo eleitoral face à substituição por partidos mais radicais, como aconteceu em Espanha ou na Grécia.
Macron já fez saber que não é esse o seu caminho: “Eu venho da esquerda”, mas “não sou socialista.” E não se subestima um homem que consegue angariar 12 milhões de libras num fim de semana pela City de Londres.
Eu, na altura, pensava que estava só a escrever sobre um tipo que casou com a loira do liceu local. Imaginem, em plena adolescência, apaixonar-se contra a vontade dos pais por uma professora duas décadas mais velha e ainda acabar casado com ela.
Quem é que não compraria este final feliz com um voto? Talvez quem não o teve para si.
Texto publicado no 'i', em fevereiro