Duas semanas antes de seguir para a Austrália, onde decorreria daí a dois meses a etapa inaugural do circuito mundial, disse-me, em entrevista: «Devo ao meu pai ter chegado a este nível». Mais do que uma etapa inaugural de uma prova que reúne os melhores surfistas do planeta, seria para ele, Frederico Morais, uma estreia absoluta na competição.
Mas o sonho, e sobretudo o trabalho feito até ali (falámos no início de janeiro), já vinha de longe… Tinha apenas seis anos quando, em Vilamoura, fez da prancha oferecida por Dora Gomes, campeã de bodyboard, ao seu pai, Nuno Morais, a sua primeira experiência relacionada com a modalidade. Não, não com o bodyboard. Foi a levantar-se nas ondas de espuma do Algarve, e com o empurrão precioso do seu pai, que Kikas, como ficou conhecido – «por causa da minha prima que não conseguia dizer bem o meu nome» -, e gosta de ser tratado, que tudo começou. Apesar disso, o sonho, esse, sempre foi dele. «O meu pai nunca fez surf na vida, nunca se pôs de pé numa prancha, nunca entrou para a água a não ser para me empurrar ou dar um mergulho. O meu pai é apenas um apaixonado pelo filho, que apoiou incondicionalmente e que fez tudo para que o meu sonho se concretizasse».
Ainda durante essa conversa, o surfista cascalense lembrou como era passada a infância. «Desde muito cedo comecei a viajar com a minha família. Quando tinha 11 anos passávamos um mês, nas férias de Natal, no Havai e, nas férias da Páscoa, um mês na Austrália», mas foi com dez que fez a primeira viagem ‘sozinho’. E a primeira viagem que fizeste sozinho? Quantos dias durou essa primeira aventura?, perguntei-lhe. «A minha mãe levou-me ao aeroporto, e ‘entregou-me’ ao Carlos Pinto. Seguimos para as Maldivas». Carlos Pinto, um fotógrafo, que hoje em dia Frederico considera ser «como um pai».
Ginástica desportiva, taekwondo, kickboxing e muay thai foram os restantes desportos que Frederico Morais praticou enquanto fazia surf. Assegura-me que nunca pensou em desistir e o segredo para se estar em boa forma está relacionado com a sua rotina de treinos: «Tento ir todos os dias ao ginásio e surfar duas vezes por dia. Se o mar estiver muito bom e eu não conseguir conciliar o ginásio com o surf fico a surfar porque sem dúvida alguma o surf é a parte mais importante na minha carreira, mas tento sempre conciliar as duas coisas», explicou. Tomaz Morais, ex-selecionador de rugby e tio de Frederico, que estava também connosco à conversa, adianta outro pormenor. «O meu irmão Nuno [o pai de Kikas] via os vídeos do Kikas, ligava a câmara à televisão, punha os vídeos para a frente e para trás e dizia-me: ‘Eh, pá já viste o pé dele?’. Eu olhava para o pé e percebia zero, mas tinha de dizer que sim senão saía de lá às quatro da manhã a discutir. Então eu dizia-lhe: ‘Sim, sim’». «Para o meu pai eu tinha de surfar bem em todas as surfadas, se eu não surfasse bem a ida de carro para casa era complicada. Íamos a discutir», recordou Kikas, que hoje em dia, depois das provas, ainda faz essa autoavaliação. Tal como há dias, concluiu, naquele já longínquo mês de janeiro, com a certeza de que «há sempre qualquer coisa a melhorar».
Simples, livre de manias e focado, Kikas tem como princípio tornar sonhos em objetivos para «passarem a estar num plano realizável». «Nem que seja para me desafiar e fazer tudo o que consiga para lá chegar». Chegou e quando as coisas não correm tão bem entra a mãe em ação. «Telefono à minha mãe, sempre. A minha mãe é que leva sempre comigo», confessou.
Feito histórico
Aos 25 anos chega ao patamar para o qual trabalhou praticamente nas últimas duas décadas. Austrália era, então, a primeira paragem da estreia do rookie – atleta que compete pela primeira vez no circuito mundial. Aí se disputaram as três primeiras etapas das onze que constituem o WT. Chegou a quarta, passou a quinta e à sexta fez história. Frederico Morais conseguiu, na prova que se disputou até quinta-feira em Jeffreys Bay, África do Sul, atingir a sua primeira final na competição. E nem a derrota pela margem mínima, com os 18 pontos (9.17/8.83) arrecadados pelo vencedor, o brasileiro Filipe Toledo, contra os 17.73 (8.33/9.40) do surfista cascalense, tira Kikas da crista da onda. O segundo lugar em J-Bay traduz-se num feito histórico para o jovem estreante mas, mais do que isso, num marco para o surf nacional. Kikas é o primeiro surfista português a chegar à decisão final de uma etapa do World Tour (WT), depois de, também na presente etapa, ter igualado o melhor resultado de sempre registado por um surfista luso. Tiago ‘Saca’ Pires, que andou entre a elite mundial do surf durante sete anos (de 2008 a 2014), havia feito três ‘meias’, mas nunca chegou à derradeira, e Vasco Ribeiro, como wildcard, também chegou ao 3.º lugar na praia dos Supertubos, em Peniche, em 2015, naquela que continua a ser a melhor prestação de sempre de um português na penúltima etapa do circuito mundial. «Performance histórica que estabeleceu um novo patamar de exigência ao surf de mais alto nível português. Acho que foi fruto de muito trabalho e dedicação e penso que no futuro muitos mais virão. O Kikas é um competidor mentalmente muito forte», adiantou Tiago Pires ao SOL. Imprescindível é recordar que além de deixar pelo caminho o havaiano campeão do mundo, Morais ultrapassou, na ronda 4, Mick Fanning, três vezes campeão do mundo e, nas ‘meias’, Gabriel Medina, o brasileiro que ostentou o troféu em 2014!
«É assim uma performance que não está ao alcance do comum dos mortais», disse ao i João Aranha, Presidente da Federação Portuguesa de Surf (FPS). «É o resultado não só de um tecnicismo excecional mas também acompanhado por um grande brilhantismo», defendeu, por sua vez, Francisco Simões Rodrigues, presidente da Associação Nacional de Surfistas (ANS).
Com este resultado, Kikas subiu seis lugares no ranking da Liga Mundial de Surf, sendo agora 12.º classificado. «É fantástico poder representar Portugal e ser o primeiro português a participar numa final no Mundial. O Tiago [Pires] foi o primeiro a apresentar Portugal ao mundo, nas etapas mundiais, e agora aqui estou eu numa final, o que é maravilhoso. Obrigado a todos em Portugal», disse já fora de água.
Voltando à conversa de janeiro, antes de arrancar esta grande e nova aventura, não hesitou em dizer-me que as características essenciais para se chegar àquele patamar eram a «dedicação, o espírito de sacrifício e ser um apaixonado pelo que faz».