A evolução da tecnologia cria pressão sobre o emprego. Os novos métodos, técnicas e processos de fabrico substituem anteriores e tornam alguns postos de trabalho obsoletos. Tem sido assim ao longo da história e a indústria automóvel não é exceção.
O automóvel está em rápida mutação e a emergência dos veículos elétricos e, no futuro próximo, da condução autónoma estão a alterar de forma profunda a mobilidade, em especial a urbana. E esta alteração é universal, mas na Europa é ainda mais urgente, impulsionada pelas metas ambientais definidas a nível político.
A questão do emprego foi levantada esta semana pela Associação Europeia de Produtores Automóveis (ACEA), que considera que a mobilidade elétrica poderá colocar em risco um em cada três empregos do setor automóvel europeu, que, de acordo com os dados da ACEA, emprega 12,6 milhões de pessoas incluindo produção, reparação e vendas.
«A eletrificação vai ter impacto em todo o setor automóvel. Primeiro, temos muitos fornecedores, pequenas e médias empresas fornecedoras cujo foco é construir componentes para os motores a combustão interna. Se amanhã deixarem de haver motores de combustão interna, estes arriscam-se a ficar sem negócio», disse o secretário-geral da ACEA num debate em Lisboa.
No entanto, a ideia de que o motor de combustão irá desaparecer não é consensual. «De forma nenhuma», sentencia António Pereira Joaquim.
Ao SOL, o Communications Director da Nissan Iberia considera que o «desenvolvimento de tecnologias que tornem os motores a combustão mais eficientes é fundamental» para que exista sempre a «possibilidade do consumidor optar por uma de diferentes motorizações, quer sejam baseadas na combustão (gasolina, gasóleo e gás, por exemplo), quer na eletricidade (independentemente da forma como está é fornecida ao motor)».
Também o secretário-geral da ACAP – Associação Automóvel de Portugal, Helder Pedro, considera que «a indústria vai claramente manter o motor de combustão e está a desenvolver motores com tecnologia que responda às exigências do Acordo de Paris a nível das emissões de CO2». De acordo com Helder Pedro, no futuro haverá um «equilibro entre os motores de combustão e os motores elétricos».
Já o diretor geral da Carglass Portugal é menos taxativo, mas aponta para um futuro elétrico. «Esta pergunta não é de fácil resposta, contudo a tendência para a eletrificação é óbvia em todos os grandes construtores de automóveis», afirma Jorge Munõz Cardoso.
Diversidade de tecnologia
Para além disso, exemplifica, «evidências que esclarecem o futuro dos propulsores automóveis são bastantes: a União Europeia irá apertar ainda mais com as regras de emissões poluentes a partir de 2021» e onze «capitais mundiais já exprimiram vir a proibir a circulação de viaturas a gasóleo num futuro próximo». Para Jorge Munõz Cardoso, «o que estamos a assistir não é uma tendência, mas sim uma realidade».
O secretário-geral da ACEA, Erik Jonnaert, acrescenta que «o número de pessoas que são necessárias para produzir um automóvel com motor de combustão interna face a um automóvel elétrico» é menor, para além de que «um veículo elétrico não requer o mesmo nível de manutenção que um carro a combustão interna, o que vai ter grandes implicações para as empresas de reparação e manutenção».
Mas António Pereira Joaquim tem uma perspetiva contrária. «A crescente diversidade de tecnologias na motorização dos automóveis está já e irá introduzir um leque cada vez mais vasto de competências no setor automóvel – e nos muitos novos setores que passarão a estar conectados com o automóvel – criando por isso mais oportunidades de emprego».
O responsável da Nissan Iberia lembra que «a evolução das tecnologias tem sempre impacto no emprego, mas creio que esse impacto é regra geral positivo: quer na qualidade do trabalho, quer na qualificação dos trabalhadores, quer, em última análise, na qualidade de vida».
Para Helder Pedro, cuja associação representa um setor com 29 mil empresas e 124 mil postos de trabalho direto, as novas formas de mobilidade, como o car sharing, «também farão parte deste futuro e os serviços que serão criados com esta nova mobilidade poderão ser geradores de emprego».
António Pereira Joaquim afirma que «será o padrão de mobilidade do utilizador que – tal como sempre aconteceu até hoje – irá ditar a escolha».
Um outro aspeto da eletrificação da condução tem a ver com a produção de eletricidade. «É preciso que a eletrificação automóvel cresça para que a descarbonização avance, e para que a qualidade do ar melhore, o que é uma grande vantagem dos carros elétricos», afirma o secretário-geral da ACEA.
«Mas há outras questões, como é que a eletricidade é produzida?», questionou o responsável da ACEA, que lembra que se «um destes veículos só consumir eletricidade produzida a partir de carvão, então o ciclo de vida de um carro elétrico não vai ser mais verde do que um automóvel de combustão interna».
Combustíveis fósseis
A eletricidade necessária, primeiro para o fabrico e depois para a locomoção dos veículos elétricos, é em grande parte produzida com recurso a combustíveis fósseis e as energias renováveis são ainda pouco competitivas na produção de eletricidade.
Por exemplo, na Alemanha, mais de metade dessa energia tem origem no carvão e no gás natural. E apesar de a construção de carros elétricos requerer mais energia na sua construção – em parte devido ao fabrico de baterias -, na sua utilização, os atuais modelos elétricos são muito mais limpos e eficientes .
Para que a mudança para a mobilidade elétrica seja o mais eficiente possível, os países precisam de mudar o paradigma energético. Em 2016, as energias renováveis correspondiam a 34% do mix na Alemanha – a meta é chegar a pelo menos 60% em 2035.
Roberto Vavassori, presidente da Associação Europeia de Fornecedores da Indústria Automóvel (CLEPA), avisa que uma mudança apressada para os carros elétricos vai beneficiar a China, que a par da Coreia do Sul e do Japão dominam a produção de baterias para estes veículos.
O responsável afirma que as construtoras europeias pagam entre 4.000 e 7.000 euros à China pelas baterias de cada carro elétrico produzido na Europa.
«Precisamos que a Europa produza os veículos do futuro, ou colocaremos a Europa em risco», diz Roberto Vavassori.
Também a condução autónoma faz parte da discussão sobre a mobilidade do futuro. «Não tenho duvidas que os carros autónomos serão uma realidade, contudo não será fácil adivinhar quando os veremos nas ruas já que, a par da necessidade de infraestruturas conectadas, também a legislação terá de ser revista», afirma o diretor geral da Carglass em Portugal.
Ilegal
Jorge Muñoz Cardoso defende que «as vantagens dos carros autónomos são variadas» e destaca a segurança. «Hoje 94% das mortes rodoviárias são causadas por erro humano, algo de que o automóvel autónomo não sofre» diz, acrescentando que a condução autónoma «permite que todos os humanos tenham acesso à independência da mobilidade, sejam idosos, ou com limitações motoras».
Helder Pedro concorda que «o problema é que a tecnologia é mais avançada do que a regulação» pelo que, de acordo com a Convenção de Viena de 1968, a utilização de veículos autónomos, hoje é ilegal.