Retornados da Jihad

Graeme Wood é jornalista da revista The Atlantic, e há uns anos traçou o perfil do sistema de crenças do Daesh.

O ‘Estado Islâmico’ ficou sem estado e o mundo livre celebra. Isso é ótimo. Mas Wood alerta-nos para o facto de estar a acontecer exatamente aquilo que a propaganda do Daesh programou na cabeça dos seus militantes: «Eles acreditam que vão ficar reduzidos a cinco mil homens» e que numa batalha épica em Jerusalém, «Jesus Cristo virá em seu auxílio». É um ‘twist’ alucinado na narrativa do Daesh. A doutrinação dos seus militantes deve, por isso, servir de alerta: o estado islâmico até pode estar de rastos na Síria e no Iraque, mas a guerra está longe de estar ganha. A guerra vai continuar e até já está numa nova fase. A destruição das estruturas de comando e controlo do Daesh não neutralizaram a rede global de recrutamento e instrução. Para usar a trilogia de Barack Obama, o Daesh foi derrotado e degradado, mas não desmantelado.

Quarenta mil estrangeiros combateram pela estrutura na Síria e Iraque. Aqueles que escaparam às mãos de John Troxell, o oficial do Estado-Maior Conjunto americano que prometeu aos terroristas um futuro de rendição ou morte «à bomba ou à pazada», andam por aí. Estimam-se que sejam 20 mil. Deambulam pela Líbia e norte de África, pelo Afeganistão e pela Turquia. Zonas onde algumas estruturas se estão a reagrupar. Outros membros da diáspora terrorista estão de regresso a casa para continuar a ‘guerra’. Para muitos deles, talvez dois ou três mil, ninguém sabe ao certo, a Europa é a casa.

Os estilhaços do Daesh são uma ameaça às nações do Médio Oriente e Ásia Central, onde o potencial de desestabilização política é grande. Intervenções militares recentes mostram que mais difícil do que derrotar um inimigo no terreno, é garantir que os territórios conquistados não regressam à condição de santuários terroristas. A dispersão anárquica de elementos do Daesh pela região está a preocupar muita gente. Moscovo, por exemplo, está tão apreensiva com a chegada de militantes ao Afeganistão e ao seu ‘near abroad’ que se ofereceu para mediar conversações de paz entre os talibãs e o governo de Kabul – o que à luz dos acontecimentos de 1979, não deixa de ter uma leitura histórica excecional.

O fluxo de retornados do Daesh, em cima do jihadismo doméstico também é um desafio tremendo para as sociedades europeias. Impedir esta gente de entrar é quase impossível. Muitos deles têm passaporte europeu e não foram marcados como militantes islâmicos. Acresce que as fronteiras europeias estão longe de ser uma fortaleza. Prender todos os suspeitos também não é opção realista. Ou porque há mulheres e homens que, aos olhos do Direito europeu, não passam de inocentes até prova em contrário; ou porque os radicais encontram nas cadeias uma extraordinária base de recrutamento. A terceira opção é mapeamento e vigilância apertada. Também aqui encontramos desafios e uma exigência de recursos humanos, burocráticos e financeiros mastodônticos. 

Estima-se que para vigiar um único suspeito de terrorismo, 24 horas por dia, sejam precisos 36 agentes das forças de segurança. É só fazer contas: em países como o Reino Unido onde há 3 mil suspeitos de ligações terroristas, controlar este grupo implica dedicação exclusiva de 108 mil polícias – 85% de toda a força policial do país. As secretas e serviços de informações europeus estão a reforçar-se e a criar mapas de ação comuns sabendo que não há soluções fáceis. Envolver transversalmente autoridades, todos os níveis de governo e comunidades, pode ser um bom princípio para que o Daesh seja derrotado, degradado e desmantelado. Sem que haja Deus que lhes valha.