Marcelo Rebelo de Sousa, Ferro Rodrigues e António Costa reuniram de urgência no final de junho. Publicamente, os gabinetes de Belém (da Presidência) e de S. Bento (tanto do Palácio como da Residência Oficial do primeiro-ministro), deram conta do encontro, seguido de almoço, entre as três mais altas figuras do Estado. Agenda pública: os dramáticos incêndios de Pedrógão, então em fase de rescaldo depois de mais de uma semana de fogos.
No sábado seguinte (1 de julho), o SOL noticiou que Marcelo convocara Ferro e Costa para, além dos incêndios, analisar um outro tema, em reserva absoluta porque de uma gravidade maior, lançando alerta nacional e internacional: desaparecera material de guerra dos paióis de Tancos.
A lista de material roubado seria conhecida aos soluços e só haveria de vir a público por meio de um jornal espanhol, que começou por ser desmentido e acabou confirmado.
As altas patentes militares, entre declarações atabalhoadas ou infelizes, entre «murros no estômago» e a desvalorização do material bélico «obsoleto», «fora de prazo» ou de «baixo valor», tomaram a iniciativa de suspender uma mão cheia de oficiais operacionais em Tancos. Não demorou a serem reintegrados em funções.
Seguiu-se a abertura de inquéritos – administrativos e criminais. E também inquérito parlamentar.
O ministro foi à Assembleia da República e, em audição, garantiu não saber se, na verdade, houve mesmo ou não houve roubo ou furto de material bélico em Tancos.
Pelo sim, pelo não, os paióis de Tancos acabaram desativados e o material que ali se encontrava foi transferido para outros locais, presumivelmente mais seguros.
O material desaparecido acabou por aparecer meses mais tarde, coincidentemente dias volvidos sobre os incontroláveis incêndios de 15 de outubro – tendo uma chamada anónima dado conta da localização precisa onde o material se encontrava.
Feito o inventário, recuperaram-se mais caixas de granadas do que as que haviam sido dadas como desaparecidas.
Ferro Rodrigues chegou a dizer, em entrevista à Visão, que o caso de Tancos, se não fosse tão grave, até dava vontade de rir.
Marcelo Rebelo de Sousa, com sentido de Estado, reiteradamente exigiu o exaustivo esclarecimento de tudo o que sucedeu e o apuramento de todas as responsabilidades.
Soube-se, finalmente, nos últimos dias, que os procedimentos disciplinares desencadeados pelos serviços competentes do Exército culminaram na aplicação de penas de repreensão a soldados que negligenciaram as rondas ao perímetro de segurança dos paióis e à pena mais grave de uns quantos (15) dias de proibição de saída ao sargento que devia ter ordenado as rondas (no/s dia/s em que ter-se-á dado o assalto que o ministro tinha dúvidas de que tivesse existido) e não deu tais ordens.
E pronto, concluídos os inquéritos e aplicadas sanções disciplinares, o chefe do Estado Maior do Exército, Rovisco Duarte, veio a público dizer que o assunto, para o ramo das Forças Armadas que lidera, «é um assunto encerrado».
Na semana passada, o ministro Azeredo Lopes voltou à Assembleia da República para, uma vez mais, esclarecer os senhores deputados da comissão de Defesa Nacional sobre o peculiar caso de Tancos.
Fiquem descansados porque ele, o ministro a quem saiu «a fava» que «podia ter calhado a outro» seu antecessor, atento o estado de degradação das condições de (in)segurança dos paióis de Tancos, não deixará que o caso seja assim encerrado. Até porque, assegurou, o Ministério da Defesa disponibilizará em breve ao Parlamento o dossiê que está a preparar sobre tudo o que aconteceu e tudo o que entretanto foi feito e, com base nesse mesmo documento (tirando partes que serão classificadas), a opinião pública também ficará esclarecida.
Assim seja. Ficamos à espera.
Até lá, a ‘fava’ fica mesmo com o sargento impedido de sair das instalações de onde se eclipsou o material bélico, até porque, agora que não há lá arsenal algum, Tancos com certeza já reforçou os seus sistemas de vigilância e de segurança e de lá já ninguém ou coisa nenhuma entra ou sai sem devido registo.
As Forças Armadas, garante da Defesa Nacional e da segurança da República, não podem ser ridicularizadas a este ponto.
Seja por respeitáveis mas impreparados ou incautos civis, seja por militares que não dignificam as altas divisas que pendem sobre seus ombros.