Discurse como um populista

O populismo está bem e recomenda-se em muitas latitudes. Com eleições importantes em 2018 – como na Rússia ou em Itália, nos Estados Unidos ou na Venezuela – preparemo-nos para uma retórica afiada, uma boa dose de choque e uma pitada de pavor. Como discursa um populista? Guia simples para os interessados.   

Regra 1: A união é um não lugar. Toda a realidade política é um confronto: dos bons contra os maus; do povo trabalhador contra as elites liberais; da ‘gente’ contra a ‘casta’; da identidade nacional contra os poderes da globalização ou das instituições internacionais. Escusado será dizer que o populista está sempre do lado do povo e das ‘pessoas reais’.   

Regra 2: Produza ignorância e dúvida. Exponha os eleitores à mentira. A campanha do ‘Leave’ ganhou o referendo sobre a UE jurando a pés juntos que Londres enviava um cheque semanal de 350 milhões de libras para Bruxelas. Uma mentira auto evidente. Sabemos como acabou a história. Os psicólogos explicam que os factos são muito mais difíceis de processar do que uma mentira simples e bem contada. O argumento que vence é, quase sempre, o que fica na memória. A dúvida compensa. 

Regra 3: Esqueça os factos. Todos os factos são disputáveis. Crie a necessidade e, de acordo com ela, os factos. Pense na Polónia: como é que um país que quase não acolhe migrantes, que vê a economia a crescer e que está na União, consegue ter um governo que se fez eleger com um discurso sobre os riscos que os imigrantes colocam à sociedade polaca? Os factos estão sobrevalorizados.  

Regra 4: Não elabore muito sobre políticas. Nenhum populista que se preze tem grandes ideias para a economia ou para amparar a quarta revolução industrial; sabe pouco sobre as reformas do Estado Social e não pensou muito sobre o declínio demográfico. Essa é a conversa dos partidos velhos do sistema. Populista que é populista fala de lei e ordem, se estiver à direita, e promete libertar o povo dos grilhões, se estiver à esquerda. Esteja onde estiver, o populista é sempre antissistema. 

Regra 5: Exagere, generalize e dramatize. Se lá no bairro abriu uma mercearia de um paquistanês, erga o punho contra a islamização da sociedade. Se uma fábrica da sua cidade fechou, ataque os burgueses e o capitalismo corrupto. O medo é seu aliado e a hipérbole a sua melhor amiga. Arraste os partidos estabelecidos para o debate feito nos seus termos – na segurança, imigração ou identidade. Atordoados, os políticos do regime acabarão por tentar adotar o discurso populista, o que não combinada nada com aqueles seus fatos caros. Lembre-se do que aconteceu em França: entre a cópia (partido Republicano) e original (a Frente Nacional), os eleitores penderam para o último.    

Regra 6: Seja escandaloso. Os parlamentos são caixas-de-ressonância das mensagens que quer passar. E os media vão atrás. O populista não está interessado em questões de princípio nem no diálogo com os pares. Como um memorando interno da AfD (direita alemã xenófoba e anti-imigração) mostra, todos os palcos devem ser aproveitados para «provocações cuidadosamente pensadas». Sejam elas negar o holocausto (como a Frente Nacional), insultar Angela Merkel (como a AfD), ou sugerir que Sadiq Khan, de origem paquistanesa, será um bom mayor de Londres até se fazer explodir em Westminster (Beppe Grillo).   

Regra 7: Ignore as instituições democráticas estabelecidas. O populista, a voz da ‘maioria silenciosa’, está investido dos poderes constituintes de uma nova democracia. Pura e casta e radicalmente livre. Oposta ao sistema vigente, claro. Como avisava a Pablo Iglésias, «o Podemos nasceu para ir para a rua atrás deles, e vamos para a rua apanhá-los a todos».  

Agora que sabe como é que eles falam e os truques que usam, ouvidos bem abertos para saber por onde andam.