A farsa dos consensos

Muito se fala de uma nova fase entre PS e PSD. Pessoalmente, admito, acho tudo uma boa treta.

Muito se tem falado de uma nova fase na relação entre PS e PSD. Os telejornais abrem com palavrinhas luminosas como ‘pactos de regime’, ‘acordos ao centro’, ‘diálogo’ ou, a mais insuportável, ‘consensos’. Pessoalmente, tenho de confessar ao meu caro leitor, acho tudo uma boa treta.

O modo como Rui Rio invoca o ‘interesse nacional’ para dormir a sua sesta social-democrata ao colo de António Costa é quase insultuoso. Como se o seu antecessor houvesse sido avesso ao ‘interesse nacional’ e dar palmadinhas nas costas do ex-coleguinha autarca se trate de uma magnífica demonstração de patriotismo. Ora, façam-se as contas: tirar um país da bancarrota é maior ou menor que sorrir para uma fotografia? Alguém precisa de uma calculadora?

No resultado final, não passa mesmo disso: sorrisos e fotografias. No que diz respeito ao caderno de encargos até aqui discutido – a descentralização e o quadro comunitário -, não há nada de novo em comparação com a anterior liderança do PSD. Pedro Passos Coelho respondeu, por acaso a este jornal, à proposta feita por António Costa no verão passado. Sim, havia espaço para conversar sobre os fundos estruturais da União Europeia, como aliás o Governo do PSD também fizera quando estava o PS na Oposição. Sobre a descentralização, uma causa a que o PSD é inevitavelmente próximo, o ministro Eduardo Cabrita reuniu diversas vezes com deputados sociais-democratas entre 2016 e 2017 para negociar o tema. Passos, simplesmente, dispensava a propaganda dos apertos de mão – algo que convém não confundir com indiferença ao agora adorado ‘interesse nacional’.

O que mudou, então, em 2018? Neste aspeto, muito pouco. Quem passou a estar mais disponível para se sentar em mesa comum foi o PS – o mesmo partido que chumbou todas as propostas da Oposição para o Orçamento do Estado corrente. No PSD, aquilo que de facto mudou foi o à vontade em comparticipar na propaganda da ‘República’ – os tais sorrisos e fotografias. Para isso, meus caros, não contem com o meu aplauso. Dispenso ir da farsa parlamentar para a farsa do centrão.

A estratégia eleitoral de virar o PSD para o centro-esquerda, como se houvesse uma maioria de socialistas chateados com a ‘geringonça’, é errada. Em primeiro lugar, porque o PS não perdeu a sua identidade original e europeísta, como a ida de Centeno para o Eurogrupo provou; em segundo, porque os partidos à esquerda do PS foram mais travões a qualquer reforma do que exatamente motores de qualquer asneira; e em terceiro – e talvez mais importante -, se não há uma maioria de portugueses chateados com o Governo, porque diabo haveria uma maioria de socialistas chateados com o partido que governa?

Ao contrário do que Rio preconiza, o tão ansiado clima de ‘consensos’ não afasta a ‘extrema-esquerda’ do PS. O que este clima de ‘consensos’ faz é integrar o PSD na própria ‘geringonça’. Para isso, meus caros, também não contem com o meu aplauso. Suicidar o maior partido da Oposição não é saudável para a República. Pelo menos, para a República que não leva aspas.