‘Os EUA querem dividir a Europa’

O novo Governo alemão foi a Bruxelas falar sobre a Europa e dois pontos sobressaíram: o alinhamento quase total com Macron e a distância bastante assumida aos Estados Unidos.    

Michael Roth não fez uma intervenção convencional. Esta semana, na representação permanente da Alemanha na União Europeia, o secretário de Estado alemão para os Assuntos Europeus falou de «austeridade» e de várias ameaças que vê o projeto europeu enfrentar. 

Para Roth, num evento do think-tank Das Progressive Zentrum, próximo ao Partido Social Democrata Alemão, «os desafios da União Europeia não vêm somente de dentro, mas também de fora». Segundo o político do SPD, «potências globais como a Rússia, a China ou os Estados Unidos da América colocam pressão crescente na coesão da União Europeia».

«Fazem-no [esses três países], dividindo Estados-membros europeus quando isso serve os seus próprios interesses», acusou Roth. «Esta tendência continuará e aumentará no futuro. E nós não podemos deixar que isso aconteça. Temos de cerrar fileiras, temos de tentar defender os nossos interesses numa arena internacional cada vez mais agressiva», apontou também. E como? Tornando a Europa «num ator global». 

«A nossa parceria com os Estados Unidos e a NATO ainda é uma pedra basilar na comunidade transatlântica. No entanto, não pode haver dúvidas: temos de equipar a União Europeia para lidar sozinha com conflitos e crises», contrapôs o governante do centro-esquerda, que integra o novo governo de coligação alemão, entre os democratas-cristãos de Angela Merkel e os sociais-democratas de que Roth faz parte. «A PESCO [Cooperação Estruturada Permanente de Segurança e Defesa] foi um passo importante no ano passado. Agora, teremos de enchê-la de vida», considerou depois. 

Para Roth, «fronteiras externas fortes [na Europa] são uma pré-condição necessária para que a ausência de fronteiras internas resulte». E nessa medida a «preservação do Espaço Schengen» depende disso mesmo: apoiar os Estados-membros cujas fronteiras deem para fora da União Europeia. 

‘A bordo’ com Macron

Na mesma mesa em que Roth debateria o futuro europeu com a audiência, sentava-se Gaëtane Ricard-Nihoul, do ministério europeu francês. As suas intervenções foram largamente em formato de apelo à «democracia participativa» como modo de incentivar a ligação entre os cidadãos europeus e o projeto europeu. Disso, o secretário de Estado germânico não se distanciou. Antes pelo contrário. Deu-se uma sintonia tácita entre os sociais-democratas alemães e a representante gaulesa presente. 

De modo a introduzir essa necessidade, Michael Roth falou no momento político na Europa atual. «Na Áustria, na Alemanha, em França ou há uns dias em Itália, os partidos populistas ganharam força. Colocam em causa os princípios básicos da democracia liberal, representativa e das suas instituições», diagnosticou. «Isto não é sobre dar lições, é sobre ouvir. Ouvir o maior número de cidadãos europeus possível», frisou. 

A iniciativa ‘Citizens Dialogue’, originária do governo francês e que começará na primavera, «tem o forte apoio do novo governo alemão», disse Roth. «Oxalá todos participem», incentivou, revelando também já ter planeado encontros franco germânicos com a sua homóloga francesa nesse sentido. 

No topo do acordo de coligação entre os democratas-cristãos e os socialistas alemães, contou ainda Roth, está a «coesão socioeconómica» europeia, de modo a combater «as divisões entre norte e sul e ocidente e leste». E deixou então uma promessa: «A Alemanha trabalhará para uma Europa em que todos se sintam parte dela. Há um compromisso firme para uma Europa mais social». E a migração e o aprofundamento da União Económica e Monetária como prioridades anexas. 

«Nós, alemães, achámos que precisávamos de ouvir os nossos cidadãos europeus, do sul», justificou em inglês, para a parceria com o think-tank referido. «A primeira coisa que os jornalistas dos países do sul me perguntam é o que penso sobre as ‘políticas de austeridade’. A verdade é que nós, alemães, não conhecemos esse termo», continuou, prosseguindo na ideia de melhorar a compreensão entre Estados-membros. 

A ver se agora, mais esclarecidos, algo muda. Caso contrário, há sempre dicionários. 

Um novo capítulo para a Europa

Heiko Maas, ministro alemão dos Negócios Estrangeiros – que abriu o evento com um breve discurso – reconheceu que a União Europeia «ainda está numa fase problemática».

O governante relembrou o recente sucesso eurocético nas eleições italianas, mas não deixou de pedir uma Europa «mais progressista, não só para os Estados sozinhos nem só para a UE sozinha, mas algo aceite largamente por todos os seus povos». 

Paris, Macron e a já mencionada democracia participativa como meio viriam depois ao de cima. «A Alemanha está pronta para abrir um novo capítulo europeu com a França», sublinhou Maas. «Num diálogo com todos os Estados – pequenos e grandes – e com a sociedade civil».

Reduzir a distância entre políticos e cidadãos, através da auscultação cívica proposta pelo governo de Emmanuel Macron, foi novamente a novidade predileta.