Começou por ser uma sociedade de duas pessoas e em 15 anos evoluiu para um dos principais grupos de prestação de cuidados de saúde em Portugal. José Pina, CEO da FH, fala sobre a evolução e o futuro da empresa e da saúde. Em Portugal e na sua universalização.
Como é que a tecnologia tem moldado a FH e como poderá moldar o futuro?
A tecnologia é um pilar fundamental da nossa atividade. Neste momento há uma transformação no setor da saúde – não só, mas em especial neste setor. Tudo o que é o mundo digital está a desenvolver formas de relacionamento entre pacientes e prestadores (hospitais, clínicas, etc.) e a criar novos métodos de diagnóstico, de terapêutica e também de assistência aos doentes. Nascemos já numa geração tecnológica diferente. Toda essa plataforma tecnológica é baseada em internet, em tecnologias na cloud, trouxemos uma novidade ao mercado. A forma de relacionamento com os clientes é digital e isso representa uma grande vantagem e uma parte fundamental do nosso futuro. Desen-volvemos técnicas que envolvem telemedicina, diagnóstico remoto.
É difícil encontrar parceiros que garantam esse tipo de serviço?
A nível do mercado temos prestadores já bastante evoluídos, com plataformas bastante evoluídas. Temos ligação direta a alguns hospitais e isso traduz-se numa grande qualidade de serviço ao cliente. Porque estamos todos ligados em rede, conseguimos facilmente ligar clientes, hospitais e os pagadores, os financiadores, as seguradoras, etc. Conseguimos ser a plataforma tecnológica que une todos estes atores no setor da saúde. Isso permite uma grande transparência e qualidade de serviço para os nossos clientes.
Como evolui a empresa para a estrutura que tem hoje?
Começámos por ser uma empresa pequena. Eram duas pessoas quando começou a sociedade. Tem vindo a crescer e, hoje em dia, é um grupo. Tem duas empresas: uma é a Future HealthCare, e a outra a SaúdePrime, que é a marca com a qual estamos no mercado com os nossos produtos próprios. A FH presta serviços a outras empresas, faz a gestão da carteira da companhia de seguros Vitória, do banco Santander e de outros parceiros como o ACP. A outra parte é a nossa marca própria, que vendemos ao público diretamente: produtos desenhados, planos e seguros de saúde, com a nossa marca.
Ainda há espaço para crescer? Como analisa a concorrência?
Neste momento, a concorrência é toda estrangeira e é fortíssima. Somos a única empresa de capital português nesta área de atividade e, de facto, é uma concorrência muito sofisticada e muito competitiva. Obriga-nos a estar em permanente desenvolvimento, mas ainda há algum espaço para crescer.
Como fez mais ou menos aqui há um ano com o TouristCare…
Exatamente. Foi lançado precisamente para responder a uma necessidade específica e traz também alguma inovação. Não há muitos projetos nesta forma. Isto obriga-nos a estar sistematicamente a pensar como vamos servir mais clientes, mais nichos de mercado.
Teve boa adesão? Já consegue fazer um balanço? Como funciona?
Está a ser lento. Mas este ano está a ser um ano excelente. É um conceito muito simples: os turistas estrangeiros podem ter a possibilidade de aderir a uma app num sistema que lhes dá acesso a hospitais que nós temos na rede. Quando vamos visitar um país estrangeiro, os cuidados de saúde são desconhecidos, caros, não sabemos onde nos dirigirmos se tivermos um problema. E aqui damos a localização exata de onde estamos e podemos chamar um médico. Onde quer que o turista esteja, damos uma assistência médica imediata por um valor muito reduzido.
Fale-me da internacionalização da Future HealthCare…
Começámos com São Tomé e Angola. São países onde existe uma grande necessidade. Escolhemos mercados, por um lado populosos, com uma dimensão elevada, e também onde pudéssemos acrescentar valor. Por exemplo, o mercado da Europa de leste está cerca de 20 anos atrasado em relação àquilo que existe em Portugal. Temos pouco essa noção, mas Portugal é um dos países mais desenvolvidos nessa área da saúde, seja nos hospitais, no setor privado e público, seja nesta área de gestão de seguros de saúde, etc., onde somos um país com uma sofisticação muito elevada e com uma grande inovação também. Acaba por ser natural a oportunidade que se coloca. São países com grande dimensão e necessidades enormes. Há ali um potencial de crescimento muito elevado. Estamos já a começar a constituir as sociedades na Polónia e na Roménia.
Tendo começado há 15 anos, era assim que imaginava a FH?
Não a imaginava desta forma, confesso. Existiu sempre uma ideia por trás que, no fundo, é a nossa missão, que é melhorar ou dar acesso a melhores cuidados de saúde. A ideia-base sempre se manteve e vai continuar a manter-se. O mercado obrigou-nos a fazer alguns caminhos diferentes daquilo que se perspetivava no início. Mas a vida é mesmo assim. Vamos procurando oportunidades. Neste momento, o balanço é claramente positivo, e estamos numa fase de deixarmos de ser uma empresa nacional para sermos uma empresa internacional, que foi sempre um desejo e sempre tivemos essa visão. E aquilo que se pode constatar a nível de balanço é que a missão continua, continua a ser válida, e conseguimos aproveitar as oportunidades de crescimento e de consolidação.
A política de saúde faz diferença na forma como consegue fazer a gestão?
Sim, tem muito impacto. Portugal é um país que tem um serviço de acesso universal à saúde. A área privada é complementar a esse acesso universal. É muito importante, porque cerca de 25% da população tem acesso à saúde privada. Mas é muito importante porque nos dá liberdade de escolha. Cria de alguma forma concorrência positiva para que todos os prestadores possam evoluir também na qualidade dos serviços que prestam. E acho que hoje em dia, quando se vê o desempenho das políticas públicas, pode dizer–se também que o setor privado trouxe também muito à qualidade dos serviços.
Acha que é razoável o dinheiro que os portugueses gastam para ter um serviço de saúde fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS), comparando com os impostos para manter o SNS?
É uma pergunta complicada. Acho que não é razoável. Não existe uma otimização daquilo que é o orçamento familiar, entre impostos e o que se gaste em serviços complementares, não é razoável.
Mas esses serviços complementares são necessários?
São necessários. E procurados. Acho que, a nível dos serviços públicos, há ainda um caminho a percorrer para que se possam atender as expetativas de toda a população de forma diferente. Mas acho que, hoje em dia, o dinheiro que se gaste, somado aos impostos, é de facto exagerado.
Que perspetiva tem da saúde no país?
O SNS é sempre muito polémico, está sempre na ordem do dia. É consensual que tem qualidade mas, como em tudo, tem coisas melhores e coisas piores. Não existe uma complementaridade entre privado e público. Uma das medidas importantes seria tornar mais transparente a utilização de hospitais do setor privado para servir o setor público. Há uma clivagem e quase uma concorrência que não faz sentido. Os países com os melhores indicadores têm uma situação em que o Estado aparece como o financiador, como o garante de que as pessoas têm dinheiro para pagar a saúde. Mas os prestadores são privados ou operadores da economia social. Há grande diversidade. Os hospitais não são todos pertença do Estado. Cá não existe bem essa distinção e isso limita, uma vez que se considera que o SNS tem de ser o empregador de todos os hospitais e profissionais.
Para mudar, o que seria preciso?
Uma vontade política. Houve alguma evolução quando se formaram os hospitais–empresa, os agrupamentos, aqui há uns anos, mas é claramente uma vontade política. Ou seja, permitir descentralizar e criar um governance distinto que permita uma maior autonomia dos hospitais – financeira, de gestão, e que permita que o Estado faça aquilo que faz melhor: ser o financiador e garantir que os impostos são canalizados para as pessoas em vez de para um sistema muito difícil de gerir.
Neste sistema, na complementaridade, como se garante que todos os prestadores têm qualidade?
Existe uma entidade reguladora da saúde que tem essa missão e já o faz. Essa entidade determina os requisitos mínimos para o exercício dessa atividade, que deve ser muito regulada pelo impacto que tem, e deve garantir, com auditorias regulares, que essa qualidade existe.
E na sua visão, essa qualidade existe?
Em média, existe. O sistema de saúde em Portugal é altamente confiável. Há sempre especialistas, há entidades que se posicionam com profissionais e meios tecnológicos de maior qualidade, mas acho que, em média, é um sistema com muita confiabilidade e com muita qualidade. Acho que só os portugueses é que têm pouca noção disso. Só quando se viaja e se vê o que há lá fora é que se percebe. Apesar de todos os problemas que tem.
Como é que a robótica e a IA vão mudar a prestação dos cuidados de saúde?
De alguma forma, já acontece. A complexidade que existe em diagnóstico, mas também na área cirúrgica, é onde as tecnologias de imagem, de inteligência artificial vão ser determinantes. Vão ser capazes de analisar biliões e biliões de dados de diagnósticos homogéneos, de exceções, de padrões, de tendências. Nesse sentido, tem de haver uma correta utilização da tecnologia, mas vai ter muito impacto no futuro. Não substitui a decisão de um médico, mas traz a possibilidade de fazer uma análise muito mais sofisticada e ampla, garantindo que há muito menos erros de diagnóstico e diag-nósticos mais precisos.
Em termos financeiros, como se posiciona o grupo?
A nossa perspetiva é muito simples. Em primeiro lugar queremos garantir o acesso sem qualquer limitação a todos os clientes. Isso significa que todos os nossos produtos têm por base o acesso a uma rede médica. São os planos de saúde. Depois temos mecanismos de financiamento desses cuidados, onde os seguros de saúde são fundamentais, os mais usados, mas também temos o crédito e a poupança para a saúde.
Como funciona?
Pode ir acumulando num plano de poupança e ter acesso, um dia que precise, a tratamentos que, tipicamente, o seguro de saúde não cobre. Temos esta visão de serviços financeiros verticalizados.
Também pode ser uma necessidade em função da questão demográfica?
Esse vai ser o grande desafio de qualquer serviço de saúde no futuro. Felizmente estamos a viver cada vez mais mas, para viver cada vez mais, precisamos de mais tratamentos, mais prevenção, mais manutenção da nossa saúde, e isso vai implicar um maior dispêndio durante os anos.
Mas também implica maior flexibilidade por parte dos prestadores dos serviços de saúde…
Exatamente. Acho que toda a gente vai ter de se adaptar a essa circunstância.
A idade média em Portugal são 84 anos, o que significa que as pessoas podem estar, em média, 20 anos sem contribuir de forma ativa para um sistema de saúde, são pensionistas, e isto levanta pressões financeiras muito complexas no futuro.
Há uma preocupação de muitas pessoas de que o seu seguro possa ser mais caro se tiver uma pré-condição de saúde. É uma preocupação legítima?
É uma preocupação. É uma questão que deve ser bem equilibrada, mas é uma questão legítima. Um financiador, uma empresa de saúde, neste caso de seguros de saúde, não pode penalizar uma pessoa em particular – isto é que eu acho que não é bem entendido pelas pessoas. Existe um princípio de solidariedade num seguro de saúde. Todos temos de contribuir para que os que precisam mesmo possam usar, e esta é uma questão fundamental. Isto significa que é preciso conhecer os dados de todas as pessoas para que, de acordo com grupos homogéneos, se possam equilibrar os prémios nesse grupo homogéneo. Não estou de acordo que se possa penalizar alguém por causa de uma situação de saúde que tem. Nós temos é de garantir que em grupos homogéneos temos o equilíbrio financeiro suficiente para poder pagar a quem precisa. Essa é que é a questão de fundo. As pessoas têm muito medo de ser penalizadas se disserem que têm isto ou têm aquilo. Mas não deveriam ser penalizadas.