Pergunte ao Lenine

Jeremy Corbyn é um comunista? Jeremy Corbyn é Marxista? Jeremy Corbyn é antissemita? Como é que posso votar em Jeremy Corbyn?

A plataforma Quora, que se autobiógrafa como a melhor resposta para qualquer pergunta, nota que estas são as questões mais populares sobre o líder do Partido Trabalhista.

As dúvidas do povo digital são justificadas. Com parte significativa da energia política centrada nas negociações do Brexit e nas guerras fratricidas no Partido Conservador, há uma outra revolução em curso: a tomada de poder no Labour pela extrema-esquerda.

O cataclismo eleitoral de Ed Miliband e a mobilização de franjas massacradas pela austeridade deram a Jeremy Corbyn, uma espécie de relíquia esquerdista do partido, motivos para romper com a herança do New Labour. O partido levantou âncora do centro. Quando todos previam um desastre nas eleições antecipadas de 2017, Corbyn teve o melhor resultado desde Tony Blair. Com um discurso que, nas suas cabeças, deitou por terra duas verdades auto evidentes: (1) embora tivesse ficado 18 anos no exílio depois da derrota de 1979, o partido não estava condenado a disputar as eleições a partir do centro, ao contrário do que propalavam os acólitos do blairismo; (2) a sociedade liberal, burguesa, não é uma inevitabilidade. 

Defesa das renacionalizações de setores estratégicos. Promessa de carregar os ricos e as empresas com mais impostos para financiar o estado social. Rutura com a NATO e desnuclearização unilateral. O programa político de Corbyn é aceitável por uma fatia importante de eleitorado (38% nas sondagens maisrecentes) na ilha de Adam Smith. 

Se isto lhe parece retórica marxista, parece bem. Robert Griffiths, o timoneiro dos comunistas britânicos, é o primeiro a admitir que não existe, com este Labour, nenhuma diferença substancial nas principais políticas. 

Mas Corbyn não está apenas a ser o porta-voz de propostas decalcadas do ‘Caminho Britânico para o Socialismo’. Ele colonizou as cúpulas dirigentes do Labour com elementos da ala esquerda e até com gente ligada ao Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB).

Jennie Formby é a nova secretária-geral do partido depois de décadas na cúpula do maior sindicato nacional. Andrew Murray, seu conselheiro, era até há pouco tempo membro do CPGB. E Seumas Milner, o diretor de comunicação, próximo dele.

A deserção é o caminho para as forças moderadas do Labour. Qualquer militante que se apresente à direita do líder não é poupado pelos corbinistas, sempre prontos a denunciar os ‘Tories Vermelhos’.

A radicalização dos trabalhistas, por um lado, e a alienação dos modernizadores nos conservadores, por outro, está a abrir espaço para a emergência de um novo partido de centro. Um ‘En Marche’ à inglesa. 

Voltemos a Griffiths, que não tem problema em admitir que o objetivo do CPGB é mais engrossar os movimentos orgânicos em torno de Corbyn do que crescer em militantes. Não há aqui nenhum paradoxo. Lenine, o Vladimir, explicou porquê há mais de um século. «Os comunistas britânicos encontram muitas dificuldades em chegar às massas e às vezes até mesmo ser ouvidos por elas». Para ultrapassar esse obstáculo, Lenine apelava ao voto dos eleitores comunistas no Labour. Quando o partido ganhasse eleições, os líderes revolucionários tomariam o poder. É a clássica infiltração no aparelho, tática que Lenine prescreveu no caso de Arthur Henderson, homem que liderou o Labour três vezes entre 1908 e 1932. «Segurem Henderson da mesma maneira que as cordas seguram o enforcado».  

Se quiser mesmo saber se Corbyn é comunista, marxista ou antissemita, esqueça o Quora. Pergunte ao Lenine.