A intervenção na organização político-administrativa do Estado impõe a necessidade de assegurar acordos políticos alargados. A descentralização de competências nas autarquias e a extinção ou criação de autarquias enquadram-se nas decisões que devem merecer acordos políticos que assegurem a sua aceitação e a respetiva estabilidade no tempo.
As autarquias são entidades representativas dos cidadãos com um caráter de proximidade, detêm um elevado potencial de intervenção no território e nas comunidades e historicamente têm demonstrado a sua eficácia no desenvolvimento local e regional, assegurando a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
No entanto, o enquadramento legal aplicado às autarquias tem-se revelado desajustado face às realidades diversas em razão das características específicas das comunidades e territórios tão diversos. As várias leis têm tratado de forma idêntica realidades diferentes e por isso têm desperdiçado o potencial de muitas autarquias através de competências, recursos financeiros e modelos de organização desajustados. Por outro lado, até à reorganização administrativa de Lisboa, concretizada em 2012, as freguesias e municípios de todo o país, no essencial, mantinham-se imutáveis desde a reforma ocorrida no início do século XIX, indiferentes ao desenvolvimento do país.
A reforma administrativa de Lisboa foi exemplar em diversas dimensões: procurou criar freguesias mais equilibradas do ponto de vista da dimensão física e demográfica, com essa alteração promoveu condições para que as novas freguesias assumissem mais competências acompanhadas de recursos humanos e financeiros e – talvez o mais importante – foi construída e concretizada com um acordo político alargado. Tratou-se de uma reforma profunda com o objetivo de utilizar de forma mais eficiente os recursos públicos e servir melhor as populações que necessariamente deverá ser aperfeiçoada e aprofundada.
Com a aprovação dos regimes jurídicos das autarquias, da transferência de competências e reorganização administrativa, em 2013, a figura do contrato interadministrativo entre o Estado e as autarquias e entidades intermunicipais e entre municípios e freguesias procurou responder à necessidade de ajustar as competências das autarquias em função das suas especificidades e a agregação de freguesias concretizada procurou racionalizar o número de freguesias potenciando uma maior capacidade de intervenção (importa ter em conta que a redução de freguesias constava do acordo com a troika).
Recentemente foi aprovada a lei-quadro da transferência de competências para as autarquias e entidades intermunicipais. Trata-se de uma iniciativa no caminho certo da descentralização de competências e da adequação das competências das autarquias às suas características e necessidades que resultou de um compromisso político dos dois maiores partidos. Uma reforma que peca apenas por falta de ambição mas que pode e deve ser aperfeiçoada e aprofundada.
O Governo anuncia agora uma nova proposta para a reorganização do mapa das freguesias. Não começa bem quando não condiciona esta alteração a um prévio acordo político (tal como fez anteriormente) e quando exclui a possibilidade de estender esta reorganização aos municípios. Este anúncio e este procedimento parecem ter como objetivo agradar aos partidos que apoiam o Governo sem olhar ao interesse do país.
É necessário um quadro para a organização administrativa no país, para a criação, extinção ou alteração de freguesias, mas também de municípios, sem preconceitos e sem conveniências partidárias, cujo objetivo seja a utilização eficiente dos recursos públicos, com um melhor serviço às populações e assente num compromisso político alargado.