«Um radical é um homem com os pés firmemente plantados no ar».
Franklin Roosevelt
Durante muitos séculos o poder das vozes encantatórias foi imenso. E manifestou-se quase sempre pela capacidade de arrebatar legiões de seguidores, admiradores e imitadores.
Mas também pela sua força, pelo seu magnetismo, pela sua capacidade de mobilização de multidões e, sobretudo, pela coragem e simplicidade de se apresentarem como portadores de esperança e de mudança. Sempre em nome de ideias e de causas mobilizadoras. Quase sempre carregadas de futuro. A história da humanidade está cheia de personagens que se enquadram na classificação do que foram (e deveriam continuar a ser…) as vozes encantatórias. Quer em áreas da vida em sociedade, quer em áreas do saber, a história da humanidade está recheada de bons exemplos. Nas artes e na cultura. Mas também, durante séculos, na política, na economia, na medicina…
Este poder das vozes encantatórias serviu e muito (exemplos não faltam) para mudar para melhor a vida da humanidade, dos países, dos povos, com diversos impactos nas suas vidas.
Mas essencialmente na antecipação e devolução da esperança para um futuro melhor, e na melhor relação da ciência com a religião.
Bem como na capacidade para se alcançarem resultados ‘positivos’, alimentando durante muito tempo sentimentos como a imitação e o culto dos seus exemplos (nos mais diversos sentidos, em particular da coerência de vida e também da sua relação com a estética e a arte).
Estas vozes encantatórias, através do poder do seu magnetismo, foram em muitos casos as ‘lanças’ que abriram caminho à mudança, e as ‘lanternas’ que iluminaram o poder das ideias e o império da novidade e da curiosidade para se fazer ‘diferente’.
Foi também por tudo isto que, durante muito tempo, os heróis não só dos jovens mas também da maioria dos povos foram filósofos, escritores, pintores, políticos, inventores. Já em tempo de liberdade de opinião e de informação estas vozes foram admiradas pelo que as suas ideias, as suas causas significavam e contribuíam, através dos seus efeitos, para a vida coletiva e para as vidas individuais.
Muitas destas vozes pareciam muitas vezes tocadas pela quase santidade, tal o magnetismo e a admiração que provocavam.
E hoje? Onde estão as vozes encantatórias? Quem são e onde estão? Parece-me que cada vez mais estão a desaparecer. Uns por morte física. Outros por desistência. Outros por destruição exterior à sua condição.
Quem são hoje os heróis contemporâneos? Da grande massa popular, da juventude e das crianças? São cada vez mais os futebolistas, os ‘cantores’ de alguns géneros musicais, as estrelas do cinema. Que debaixo dos nossos narizes e olhos têm vindo a ocupar os espaços vazios das vozes encantatórias. E isto poderá levar-nos a várias conclusões. Desde logo, que «o afastamento de cada vez mais válidos(as)» é uma consequência direta da perda de poder das vozes encantatórias. Mas também que, sendo os novos heróis contemporâneos as magnas figuras do desporto, do rock, da música e do cinema, a ‘ortodoxia dos números’ e o ‘materialismo mediático’ têm colocado em segundo e terceiro plano a cultura e as humanidades.
E isto é muito negativo. Já para não falar do que um antigo aluno de mestrado me desabafava há umas semanas e que me ficou na memória. Dizia ele: se, em tempos idos, as redes sociais (que ele qualificou de ‘sanitas’ das sociedades contemporâneas…) e alguns media incredíveis fizessem às antigas vozes encantatórias das artes, da cultura, da ciência, da política, da diplomacia, etc., o que têm feito a tanta gente nos últimos anos, quase ninguém das artes, da cultura, da ciência, da política, etc. teria perpetuado o seu bom exemplo e o seu bom nome até aos dias de hoje.
Mas, sendo ou não sinal dos tempos, concordando-se ou não, temos vindo a criar o ‘caldo de cultura’ conducente à desvalorização da existência de vozes encantatórias.
Ainda existirão algumas? Claro que sim. Mas nada como dantes. Em países como o nosso quem substituirá pessoas do calibre, por exemplo, de Eduardo Lourenço? E de Adriano Moreira? E de António Barreto? Para não falar de outros exemplos.
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