Um acordo de saída do Reino Unido da União Europeia é “essencialmente impossível, não apenas agora, mas para sempre”, anunciou ontem uma fonte de Downing Street aos média britânicos, após uma chamada entre o primeiro-ministro Boris Johnson e a chanceler alemã, Angela Merkel. Há muito que é noticiada a rutura das negociações entre Londres e Bruxelas mas, agora, Johnson apostou num “estúpido jogo de culpas”, segundo tweetou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.
Tusk questionou Boris na mesma rede social: “Não quer um acordo, não quer uma extensão, não quer revogar, quo vadis [para onde vai]?” A resposta mais óbvia é rumo a uma saída não acordada – apesar de o Parlamento britânico ter proibido este cenário.
Ainda assim, “o primeiro-ministro [Boris Johnson] está a mover-se no sentido de argumentar a favor de uma saída não negociada”, escreveu a editora de política da BBC, Laura Kuenssberg. A jornalista considerou que conseguir um acordo de saída antes da data limite do Brexit – marcada para 31 de outubro – seria “uma fuga política digna de Houdini”.
Caso falhem as negociações, a lei obriga Boris a pedir um adiamento do Brexit à UE – que pode ser vetado por qualquer Estado-membro. Downing Street não tem poupado esforços para contornar a legislação, como deixou claro a fonte do Governo britânico. “Podemos fazer todo o tipo de coisas para afundar o adiamento”, notou, mencionando que “não há precedentes para legislação que controle como o primeiro-ministro conduz discussões internacionais”.
Uma fronteira que não seria como as outras O grande motivo da desavença entre o Governo britânico e Bruxelas continua a ser as salvaguardas a uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Enquanto o Reino Unido não sai da UE, ambos os territórios estão sujeitos às regulações comerciais europeias, não precisando de controlos fronteiriços – algo que poderá mudar após o Brexit.
Por um lado, os eurocéticos acusam as salvaguardas de ser uma maneira encapotada de sujeitar o Reino Unido às políticas comerciais europeias. Por outro, Bruxelas não abdica delas, salientando que uma fronteira na Irlanda não seria como qualquer outra – sendo a liberdade de movimentos na ilha uma condição do acordo de paz que pôs fim à guerra civil na Irlanda do Norte, em 1998.
“Merkel disse que se a Alemanha quisesse sair da UE, poderia fazê-lo sem problemas, mas que o Reino Unido não pode sair sem deixar a Irlanda do Norte para trás, numa união aduaneira e completamente alinhada [com a UE] para sempre”, relatou a fonte do Governo britânico. Berlim admitiu o telefonema entre os dois líderes, mas recusou comentar o conteúdo – e muitos repórteres mostram-se céticos quanto ao relato feito pelo Governo britânico.
“Jogo das culpas” “A tentativa do Governo do Reino Unido para atirar as culpas do fiasco do Brexit para qualquer outro que não eles – hoje é para Merkel – é pateticamente transparente”, tweetou a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon. Mas o “jogo das culpas” não é só entre Londres e Bruxelas. Arlene Foster, líder dos unionistas do DUP – que apoia Boris no Parlamento -, apontou baterias aos velhos rivais do sul, dizendo que a insistência nas salvaguardas “mostrou as verdadeiras intenções de Dublin de prender a Irlanda do Norte à união aduaneira da UE para sempre”.