Além de todas as outras, há duas críticas recorrentemente feitas ao salazarismo: 1. Que promoveu a ignorância; 2. Que o povo passava fome (são bem conhecidos os relatos de famílias que dividiam uma sardinha à refeição). Em relação à primeira questão, a verdade é que o Estado Novo criou muitas escolas. Pode dizer-se, mesmo assim, que promoveu a ignorância? Em relação à segunda questão: a fome resultou de políticas erradas ou de outros fatores, como por exemplo de um atraso que já vinha de trás ou da escassez de bens decorrente da Segunda Guerra Mundial?
O Estado Novo, como outras ditaduras, tinha um modelo de decisão política centralizado e baseada em modelos ideológicos conservadores, vide reacionários de direita, sem escrutínio ou representatividade da pluralidade de opiniões canalizada pelos partidos políticos, assim, no que toca à educação, não houve inicialmente um investimento grande. Mas na longa duração, pois foi um regime que durou mais de 40 anos, foi alterando as suas estratégias no campo educativo. Já quanto à política económica não é fácil responsabilizá-lo pelo ‘atraso português’. No exemplo que dá, da Segunda Guerra, é o contrário, Portugal sai em boa situação dela. Há, no entanto, alguns fatores que não passam pela natureza dos regimes políticos. Claro que as opções políticas estão sempre lá e têm algum impacto. Um exemplo: quando a economia portuguesa teve um acentuado ciclo de crescimento, como na década de 60, a ditadura despende mais de 50% do Orçamento no item ‘Defesa’, ou seja, na Guerra Colonial, e menos em infraestruturas e educação. Estas decisões têm obviamente impacto.
Em jeito de balanço… Quando há crises graves no país (recordo-me da intervenção da troika, mas também dos fogos de 2017, da falência do BES, das acusações de corrupção a altos responsáveis políticos ou do caso de Tancos) é comum ouvirmos vozes a dizer que a democracia falhou. Olhando para o país que tínhamos em 1974, nas vésperas do 25 de Abril, e para o Portugal de hoje, a que conclusão se chega? Valeu a pena, conseguimos, com as nossas condicionantes, evoluir para uma democracia madura ou ficámos aquém do esperado?
Aí a resposta não comporta dúvidas. Com a descolonização e a democratização, Portugal não só se transformou num país desenvolvido, ainda que com fragilidades, como a democracia portuguesa é das mais consolidadas, atravessando muito poucas crises. Os indicadores internacionais sobre a qualidade da nossa democracia estão aí para o provar. O Portugal das vésperas do 25 de Abril, atolado numa Guerra Colonial, com um Estado Social mínimo, taxas de saneamento e alfabetização de país em vias de desenvolvimento e relativamente isolado no campo internacional, desapareceu.
por António Costa Pinto