Líderes africanos unem-se para exigir cancelamento da dívida externa

Os países africanos não conseguem enfrentar a covid-19 e pagar os juros. O cancelamento da dívida terá de passar pelo maior credor, a China.

Perante a pandemia, que ameaça ter África como próximo epicentro, líderes do continente uniram-se para exigir a eliminação da dívida externa. Inicialmente, falava-se de uma redução da dívida: até os países do G20 se mostraram abertos a um congelamento, mas tardaram em agir. Contudo, hoje, a conversa é outra. A exigência é o total cancelamento da dívida, num movimento encabeçado pelo Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, presidente da União Africana, junto com o Presidente senegalês, Macky Sall, e o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed.

A solução parece ter lógica. Afinal, a vasta maioria das economias africanas são exportadoras de matérias-primas, e como tal, particularmente suscetíveis a quebras no comércio global. É difícil imaginar que conseguissem investir na saúde, enquanto enfrentam a crise económica causada pela covid-19, e ainda dedicar entre 15% a 30% do seu orçamento aos juros da dívida, como acontece atualmente, segundo o El País. Feitas as contas, os países africanos gastaram em média 0,8% do seu PIB em estímulos contra a pandemia – na Europa, foram 8%, segundo o Economist.

Entre os primeiros credores a sugerir o cancelamento esteve o Presidente francês, Emmanuel Macron. De momento, a dívida pública externa africana ronda uns estrondosos 500 mil milhões de euros, lembrou o Comité para a Abolição da Dívida Ilegítima – que declarou que Macron, na verdade, nunca pretendeu cancelar a dívida africana”, tendo apenas feito a sugestão para ficar bem na fotografia.

É que o prometido plano do Presidente francês rapidamente se ficou por um congelamento da dívida ao G20, até ao final de 2020, aplicável apenas aos países mais pobres. E só se estes mantiverem em dia os pagamentos a instituições como o Fundo Monetário Internacional ou Banco Mundial – caso falhem, o preço costuma ser pesadas medidas de austeridade.

Contudo, na discussão acerca do perdão da dívida, o grande peso pesado será mesmo Pequim. É o principal credor dos países africanos, com cerca de 20% da dívida externa do continente. Países como Angola, com uma grande presença chinesa, cuja espiral descendente acelerou com a baixa do petróleo, já pediram ajuda ao seu aliado. 

Os analistas duvidam que a China aja unilateralmente, mas não é impossível que ceda. Não por motivos humanitários, atenção. “Por razões políticas, Pequim quererá ser flexível e não creio que eles queiram perder influência em África”, explicou Jibran Qureishi, economista do South Africa’s Standard Bank para a África Oriental, ao South China Morning Post.

 

Nova Rota da Seda Durante anos, bancos estatais chineses derramaram o equivalente a milhares de milhões de euros no continente africano, para a Nova Rota da Seda, o maior projeto de infraestrutura da história humana – pretende unir comercialmente a China à Europa e África, através da Ásia Central e do Médio Oriente. O custo? Um aumento brutal na dívida dos estados africanos, que já lutavam para se desenvolver.

Entretanto, parte dos fundos evaporou-se no meio da corrupção sistémica, indo parar aos bolsos de uma pequena elite. Outra parte foi para enormes projetos que beneficiaram pouco as populações, dirigidos às multinacionais – muitas vezes chinesas – que exploram os recursos naturais destes países. Daí que a defesa da eliminação da chamada dívida odiosa seja recorrente.

“A China está no lugar do condutor”, assegurou Scott Morris, investigador do Centro para o Desenvolvimento Global. Contudo, por mais urgente que seja o perdão da dívida externa africana, “vai requerer uma dor real para os credores. E não estou certo que eles estejam preparados para isso”, avisou Morris, citado pela Reuters.