por Maria Neves Gonçalves
Diretora da Escola Superior de Educação da Lusofonia (IPLUSO)
No dealbar de 2020, um vírus letal provocou uma pandemia à escala global. O confinamento – como nos lembrava Paulo Mendes Pinto – «foi um tempo único no que foi de prova», por ter gerado «tantos medos, tantas decisões difíceis, tanta alteração de hábitos» 1]. Assim, muitas tendências, que vinham já a ser ensaiadas na sociedade tecnológica, tiveram, com a covid-19, uma materialização visível como o ensino remoto, o teletrabalho, o e-commerce,… Ao surto pandémico, acresce o desmoronamento da ‘modernidade’ e a vulnerabilidade na época líquida em que vivemos, o que, segundo a expressiva fraseologia de Tolentino Mendonça, torna imperioso «primaverar», isto é, «persistir numa atitude de hospitalidade em relação à vida» [2]. A pandemia e a encruzilhada de populações com diferentes culturas, etnias e religiões, exigem itinerários educativos, que atendam às sociedades multiculturais e à vulnerabilidade social. O ser humano – como nos diz Frei Bento Domingues – «é um misterioso eu em face de um misterioso tu que grita(…) por amor e misericórdia para si e para os outro» [3]. Uma das apostas, na sociedade atual, é a intervenção socioeducativa. O educador, em colaboração com o assistente social, o psicólogo e os profissionais de saúde, desempenha um papel primordial na hospitalidade, entendida como aproximação ao conceito africano de umbunto – eu sou, porque somos nós [4]. Se há área, que a crise pandémica pôs a nu, foi o imperativo ético de um novo olhar para o idoso e os públicos vulneráveis. Importa, assim, abrir o ensino superior, aos públicos que a covid-19 lançou no desemprego ou no layoff. E importa apostar na criação, de formações curtas ou de longa duração, que, numa perspetiva transversal, abordem a relevância socioeducativa do cuidar, da intergeracionalidade e da gerontagogia. É na diversidade e conjugação de olhares epistemológicos diversos – que operem numa intercessão entre a área da educação e da solidariedade social – que se conseguirá ampliar a geografia do Estado de ‘bem-estar’ e que se poderá dar um passo para «fazer acontecer o futuro como queremos que ele seja», como escreveu Nicolau Santos [5]. No ano em que se comemora o bicentenário da Revolução Liberal, recordemos a intemporalidade da mensagem d’ O Cidadão Literato (1821): «Só no pleno exercício de nossos direitos, de nossos deveres e de nossos sentimentos, poderemos ser felizes, único termo, aonde se encaminham todos os nossos pensamentos» [6]. É nosso ensejo que, agora e na pós-pandemia, se continue alinhado, com esta intemporal mensagem vintista.
[1]Visão, 1.5.2020
[2] Revista Expresso,22.3.2014
[3] Público, 13.9.2020
[4]Brás, J. A hospitalidade e a educação social (in press), 2020.
[5]Prefácio ao livro Pensar o Futuro:Portugal e o Mundo depois da covid-19. Porto:Porto Editora, 2020.
[6]Ano I, nº 3, 1.3.1821.