Já se vê a luz ao fundo do túnel, com países como o Reino Unido, Canadá e Estados Unidos a darem o tiro de partida para a vacinação contra a covid-19, seguidos de perto pelos países europeus, que deverão iniciar a sua campanha a partir de dia 27 de dezembro, mal a vacina da Pfizer e da BioNTech seja aprovada. Não é de estranhar a pressa. Estes países, tornados epicentro da pandemia, têm um inverno mortífero pela frente. E não há vacina que chegue a tempo de evitar um pico de contágios após as festividades, mesmo com as regras a serem apertadas um pouco por todo o continente.
Até a Suécia, que se mantivera uma exceção no meio de uma Europa cheia de restrições, foi obrigada a confrontar-se com o pesado custo de quase 8 mil mortos. Ou seja mais de quatro vezes o número de mortes per capita que países vizinhos como a Dinamarca. Esta sexta-feira, o Governo sueco acabou por ordenar o fecho de locais públicos não-essenciais, como bibliotecas, ginásios ou piscinas de municípios, finalmente recomendou o uso de máscaras em transportes e reduziu a lotação de lojas, restaurantes e ginásios, a partir de 24 de dezembro. Contudo, mesmo assim, não chegou perto daquilo a que chamaríamos confinamento.
«Agora vemos que precisamos de fazer mais, porque vemos que o alastrar das infeções é demasiado sério, e ainda temos uma situação complicada nos serviços de saúde», admitiu o primeiro-ministro sueco, Stefan Lofven, que enfrenta crescentes acusações de falhanço em conter a pandemia, incluindo do Rei Carlos XVI, normalmente neutro politicamente. No entanto, Lofven não deixou de acrescentar que «um confinamento seria um fardo para a população», e que «não teria efeito a longo prazo, porque as pessoas não teriam paciência para isso».
Nos restantes países europeus, a grande dúvida é o que fazer nas festas. Inicialmente, quase todos optaram por medidas restritas em novembro e dezembro, para permitir alguma abertura no Natal e ano novo. Alguns países, como a Alemanha, priorizaram à partida salvaguardar as reuniões de família e amigos nas festas em si; França até sonhou salvar a época alta do comércio e restauração, focando-se em reabrir duas semanas antes do feriado.
Subitamente, face ao alastrar de contágios os países europeus puxaram do travão de mão esta semana. Incluindo Portugal, que já optou por um recolher obrigatório na passagem de Ano, a partir das 23 horas, dando prioridade às reuniões familiares no Natal e assumindo que seria preciso conter uma vaga de contágios logo a seguir (ver páginas 6-7).
No caso de Espanha, pode nem sequer dar para salvar o Natal, avisou o primeiro-ministro Pedro Sánchez, caso o taxa de contágios continue a escalar. «Cabe-nos a nós não abrir as portas a uma terceira vaga no Natal», apelou Sánchez, no dia em que endurecia as regras para o Natal e o ano novo. «E se for necessário o plano de Natal, o Governo vai propô-lo», acrescentou.
Já nos Estados Unidos, a situação nas Festas será ainda mais confusa – as regras deverão ser uma manta de retalhos, decididas pelos estados, com pouquíssima coordenação da Casa Branca, consumida pela atribulada transição de poder entre a Administração de Donald Trump e Joe Biden. Entretanto, o país já registou 17,6 milhões de infeções, batendo o recorde na quarta-feira, com um quarto de milhão de novos casos. Desde o início do mês que as mortes diárias batem sucessivamente as três mil – qualquer coisa como um 11 de setembro por dia, como costuma descrever a imprensa norte-americana.
Contudo, há esperança a caminho. Esta sexta-feira o vice-presidente Mike Pence e a sua mulher, Karen, tomaram a primeira dose vacina da Pfizer e da BioNTech, perante as câmaras, para estimular a confiança do público. «Quisemos chegar-nos a frente e tomar esta vacina para garantir ao público americano que, enquanto cortámos a fita vermelha, não seguimos por atalhos», declarou Pence.
Pagar para ver
Do outro lado do planeta, em boa parte da Ásia e Oceânia, o entusiasmo pela vacina contra a covid-19 é muito menor. Sem o desespero que se vive na Europa e América do Norte, países como a Coreia do Sul, Vietname e Austrália, que controlaram os seus surtos com medidas fortes de saúde pública e lidam com dezenas ou centenas de novos casos, podem esperar para ver como corre a vacinação noutros países, após a pressa dos ensaios clínicos.
«Estamos a lidar com a covid-19 relativamente bem, por isso não temos de começar a vacinação à pressa, quando os riscos ainda não foram verificados», explicou o ministro da Saúde sul-coreano, Park Neung-hoo, citado pelo Financial Times. O seu país já comprou vacinas às farmacêuticas AstraZeneca, Pfizer e Moderna, uns 20 milhões de doses de cada. Contudo, não planeia começar a vacinar este ano, provavelmente nem sequer até antes próximo outono, «depois de monitorizar possíveis efeitos secundários de inoculações no estrangeiro durante dois ou três meses», afirmou Neung-hoo, citado pelo Financial Times.
«O trabalho feito no Reino Unido vai dar à Austrália e ao mundo dados muito importantes, lições muito importantes, tanto na distribuição como na eficácia da vacina», concordou o ministro da Saúde da Austrália, Greg Hunt, cujo país comprou vacina suficiente para toda a população três vezes, mas só deverá começar a vacinar em março.
O risco é de que ter populações imunizadas numa parte do planeta e não noutras possa levar a ressurgimentos da doença, obrigue a manter restrições de viagens durante muito mais tempo e aumente os brutais estragos económicos da pandemia.
Já a China planeia começar a vacinar a sua população no início de 2021. Contudo, com pouquíssimos novos casos registados neste país tão grande, o foco de Pequim parece ser produzir quantidade suficiente de vacina para a chamada diplomacia médica, aprofundando relações com países em desenvolvimento impedidos de comprar vacinas da Moderna, AstraZeneca e Pfizer/BioNTech em quantidades suficientes.
Aliás, as vacinas chinesas em estado mais avançado de testes, da Sinopharma, são ideias para isso – usam uma versão desativada do SARS-CoV-2, o vírus que causa covid-19, uma técnica mais convencional que as das vacinas ocidentais, muito mais barata de produzir e fácil de distribuir.
É que, até agora, o grosso da futura produção de vacina de farmacêuticas ocidentais empresas já está reservado para países mais ricos. «O falhanço claro é não haver instituições internacionais mais fortes e financiamento para pagar uma vacina globalmente», lamentou Philip Clarke, professor de economia da saúde na Universidade de Oxford, à NBC.