por José Manuel Azevedo
Economista
– Já sabes para onde vais?
– Por enquanto, ainda não. Em novembro, a Alemanha era o país da União Europeia com tudo preparado para nos receber!
– O que significa ‘bem preparado’?
– Simples: sabe-se quando chegam as primeiras vacinas, sabe-se em quem seremos administradas e onde – parece que vão instalar centros de vacinação em massa – e até avisaram que iremos chegar sem as seringas ou cânulas e sem o solvente necessário.
– A sério, dizem isso tudo num plano de 15 páginas?
– Sim, sim, até dizem que quem deve resolver o tema dos ‘acessórios’ serão as autoridades locais em que os centros serão instalados… Mais: preveem ir atualizando a informação à medida que formos sendo administradas.
– Também ouvi falar em Itália, que foi muito fustigada pela covid-19. Mas aquilo por lá anda instável…
– Porquê? Só porque não tem Governo? Eles estão muitíssimo habituados a lidar com crises dessas. Tanto assim é que as direções-gerais da Administração Pública se mantêm ao longo dos anos e dos sucessivos Governos. A ‘máquina do Estado’ é menos dependente do poder político…
– De Itália, só sei que será o Draghi a formar governo; pode ser que tenha êxito. Ainda que as situações não sejam comparáveis, ele salvou o euro, não foi? Mas a Espanha também era boa opção… O clima é mais ameno do que o nosso, poderíamos até desfrutar da hospitalidade dos espanhóis…
– Tanto quanto sei, também já tinham tudo preparado no início de dezembro. Por acaso, não definiram a estratégia num documento de 15 páginas, mas sim de mais de cem…
– Sabes que quantidade não é qualidade…
– Tens toda a razão, mas se te disser como está estruturado o plano irás ficar satisfeita!
– Explica.
– Começa por identificar quem foi envolvido no plano. Nomes, apelidos e cargos são todos citados, podendo assim serem atribuídas responsabilidades, tanto em caso de sucesso como, sobretudo, de insucesso.
– Não há de haver insucesso… Normalmente, os espanhóis ‘não brincam em serviço’…
– Isso mesmo! Prossigo: tem um Sumário Executivo (até parece um documento construído por consultores). Mas o que me impressionou mais positivamente foi que esse capítulo está em castelhano e em inglês!
– Bem pensado! Já que em Espanha vivem cerca de 5,8 milhões de estrangeiros e os cidadãos do Reino Unido representam mais de 6% (em Junho de 2020 eram cerca de 366 mil, não é verdade?).
– O plano também explica bem o objetivo da estratégia de vacinação, o modelo de governo (é preciso ver o poder das Comunidades Autónomas e, portanto, a articulação com o Governo Central teve que ser bem pensada), as prioridades a respeitar atendendo às quantidades recebidas, etc. Explica até as características principais de cada vacina e em que fases serão aplicadas!
– Já que falas de Espanha, o que te parece Portugal? Nalguns aspetos, os países são semelhantes – clima ameno, povo hospitaleiro e de brandos costumes – mas talvez a capacidade de planeamento seja diferente…
– Estás a tocar justamente no ponto!
– Consegues dar-me exemplos, para entender melhor o que queres dizer?
– Infelizmente para os portugueses, é muito simples. Até te coloco as questões de uma forma sistemática:
1. A estratégia da União Europeia para as vacinas foi emitida em meados de junho de 2020. Portugal demorou dois meses a conceder autorização para realizar despesa relativa à 1.ª fase dos procedimentos de compra;
2. Algures em novembro, o secretário de Estado da Saúde afirmava que havia muito tempo para definir a estratégia de vacinação, uma vez que as vacinas nem estavam aprovadas pela EMA…! Isto apesar de se saber quais estavam mais próximas de receber essa aprovação e a partir de quando seriam distribuídas…
3. Apesar de os dados indicarem que a população acima dos 80 anos era a mais vulnerável, a 1.ª versão do plano não a incluía, pelo menos explicitamente. E muitos outros exemplos te poderia dar…
– Não me vais dizer que haverá quem se aproveite dessa incapacidade de planeamento para ser indevidamente vacinado, pois não? Ou que chegamos ao país e não há seringas suficientes…