Lisboa, a cidade da relva amarela

Não seria preferível utilizar parte dos rendimentos de impostos, contribuições e taxas da CML em reabilitação de edifícios e espaços verdes, e nas condições de mobilidade dos mais idosos, em lugar de construir ciclovias, como a do Av. Almirante Reis?

por José Manuel Azevedo
Economista

Sou lisboeta, alfacinha de gema e é nessa qualidade que aqui venho hoje; não vou falar de programas eleitorais de nenhum dos candidatos autárquicos mas sim do que os meus olhos veem, a cada dia que passa, recorrendo, como suporte, a alguns números públicos divulgados sobre a capital. E é justamente por aí que inicio este texto.

1.Alguns indicadores sobre o município

De acordo com a Pordata (se há tempos elogiei aqui o site sibsanalytics.com, devo hoje, e mais uma vez, elogiar o excelente trabalho que a Fundação Francisco Manuel dos Santos desenvolve desde 2009), Lisboa tinha em 2020 uma população residente de cerca de meio milhão de pessoas, cento e sete mil das quais de nacionalidade estrangeira. Em idade ativa estava 55% dessa população (em Portugal esse valor é de 64%), sendo o setor com mais pessoal ao serviço o das atividades administrativas e dos serviços de apoio, representando aproximadamente 25% do total.

Se agora atentarmos para o índice de envelhecimento (número de idosos por cada 100 jovens), verificamos que há 172 idosos por cada centena de jovens em Lisboa, contrastando com os 161 em todo o país.

Sendo verdade que em 2010 esse índice de envelhecimento era bem pior (200 em Lisboa, ‘contra’ 122 em Portugal) e que este fenómeno atravessa a generalidade dos países europeus, com honrosas exceções, é justamente sobre a população idosa que me detenho.

2.As condições de conforto habitacional

Basta circular por Lisboa para vermos edifícios velhos, muitos degradados ou abandonados (até na Avenida Fontes Pereira de Melo isso se verifica, como bem sabemos!), provavelmente porque nalguns deles habitam pessoas que pagam rendas ridículas para os dias de hoje – talvez substanciais para os seus rendimentos! – e em que não é difícil adivinhar que o nível de conforto interior é muito reduzido. Quer isto dizer, habitações insuportáveis de quente no verão, difíceis de aguentar no inverno, que apenas o recurso a arrefecimento ou aquecimento consegue melhorar.

Simples, não é verdade? Sim, simples, não fora os custos da energia, dos mais elevados da Europa, o que leva a que os portugueses não tenham hábitos de aquecimento ou arrefecimento e justifica a conclusão dum estudo da Universidade de Dublin, já de há alguns: Portugal é um dos países onde mais se morre por falta de condições de isolamento e de aquecimento nas casas. Lisboa não será exceção, em particular se atentarmos nas habitações construídas antes de 2016.

3.As condições de mobilidade

Falando apenas da mobilidade interna (deslocações dentro de Lisboa), julgo que aquilo que mais vemos são ciclovias em construção, como se de uma cidade plana se tratasse. Não, Lisboa, não é plana, e basta tentar subir do Rossio até ao Saldanha para se comprovar o facto. Sim, as bicicletas e trotinetas elétricas ajudam a solucionar a dificuldade, e também sabemos que a CML comparticipará em 2021 a compra desses veículos até um determinado limite, num investimento de € 340 mil. Quantos maiores de 65 anos vemos nessas ciclovias? E menores de 65 anos? Francamente, gostava de ter os números.

Transportes públicos? Tudo quase na mesma…

E o que dizer das pessoas com mobilidade reduzida, seja por se deslocarem em cadeiras de rodas ou simplesmente por empurrarem carrinhos de bebé? Quantos dos passeios da cidade têm declives que facilitam os percursos? Quantas das nossas escadarias têm elevadores que facilitariam a subida e a descida? Quantos semáforos têm indicações sonoras para ajudar cegos a saber quando atravessar a rua?

4.Os espaços verdes

Espaços verdes são os pulmões da cidade! Monsanto é, nessa matéria, um excelente exemplo de área a preservar e, na medida do possível, em que o município deve continuar a investir. Espaços públicos como Campolide, finalizado, e Praça de Espanha – já inaugurado provisoriamente em junho, mas cuja obra se prevê terminar daqui a 9 meses! – ajudarão a transformar uma pequena mas importante zona da cidade. Mas o que dizer de tantas outras? Passeando por Lisboa, quantas vezes vemos colaboradores da CML a tratar da relva e/ou das áreas ajardinadas? Alguém já reparou na espécie ‘autóctone’ de relva da cidade? Amarela, em lugar de verde? E arbustos a morrer?

Não seria preferível utilizar parte dos € 535  milhões de rendimentos de impostos, contribuições e taxas da CML em reabilitação de edifícios e na melhoria generalizada dos espaços verdes e das condições de mobilidade dos mais idosos, em lugar de construir ciclovias, algumas em locais impensáveis, como por exemplo na Avenida Almirante Reis?