“Imagine que um jovem, altamente qualificado, vai para o mercado de trabalho e pagam-lhe aquilo que, para nós, é um belo salário para quem começa: 2700€…” Foi esta a frase que Miguel Sousa Tavares disse na passada segunda-feira na TVI em entrevista a António Costa que fez estalar a polémica nas redes sociais.
“Em que país vive o Miguel Sousa Tavares?” e “O Miguel Sousa Tavares acha que os jovens recebem 2700€ porque só conhece jovens com 7 apelidos que vão a cavalo para as start-ups dos tios onde estão a estagiar” foram algumas das críticas no Twitter após as declarações.
Dois dias depois foi a vez do candidato à Câmara Municipal de Lisboa Carlos Moedas “meter a pata na poça” num frente-a-frente com Fernando Medina. O social-democrata referiu que conhece “muitas pessoas da classe média que conseguem, para uma casa de 250 mil euros” poupar “20 mil euros para dar a entrada, com ajudas de familiares”. E se no primeiro caso António Costa assumiu logo que o salário a que se referia Sousa Tavares está longe da realidade, no segundo foi a moderadora a considerar o cenário de comprar um T3 em Lisboa por 250 mil euros pouco realista, já que nenhum dos candidatos o desfez.
Que ofertas existem? Começando pelas casas em Lisboa, no site Imovirtual, quando pesquisamos por T3, como foi referido pelo candidato à CML, existem, para o concelho de Lisboa 3712 resultados, e desses só 192 custam menos de 250 mil euros.
Dando como exemplo um apartamento de tipologia T3 na freguesia de Santa Clara com 85 metros quadrados, são pedidos 218 mil euros. O valor mais baixo apresentado é de 72 mil, para uma casa com a mesma tipologia e 100 metros quadrados na freguesia de Benfica.
Já na plataforma Idealista, por outro lado, o apartamento T3 com o valor mais baixo custa 172 mil euros, situa-se na freguesia da Ajuda e tem 53 metros quadrados. Nesta plataforma, encontramos 4424 T3 à venda no concelho de Lisboa, 233 a menos de 240 mil euros.
Terão as declarações de Carlos Moedas sido feitas devido a um afastamento da realidade em que vivem a maioria dos lisboetas ou uma simples gafe? António Costa Pinto aponta para a segunda hipótese. Contactado pelo i, o politólogo explica que contrariamente àquilo que acontece noutras democracias, “nomeadamente nos Estados Unidos da América, por exemplo, em que a elite política corresponde, no geral, a segmentos altamente minoritários do ponto de vista social, visto que existe uma grande associação entre capital individual e capital político” e apenas “15% dos senadores e da câmara de representantes provêm das classes médias baixas”, o que acontece na Europa é que “a situação socioprofissional dos candidatos é muito diversificada”.
Nesse sentido, António Costa Pinto acredita que “esses políticos [especificamente Fernando Medina e Carlos Moedas] sabem perfeitamente quais são as condições de vida dos portugueses por grupos sociais e qual é a estrutura socioprofissional da sociedade portuguesa”, pelo que, “só devido a uma armadilha ou a uma resposta menos consequente” pode ter dito aquilo que se ouviu.
No que toca às declarações feitas por Miguel Sousa Tavares, António Costa Pinto relembra que não foram feitas na qualidade de político mas sim de entrevistador, pelo que, a única consequência política que delas resultou, foi, “ainda que ironicamente”, um favorecimento para o entrevistado.
Quanto ganha um recém-licenciado?
Sem repercussão política mas com a prova dos nove nas redes sociais. No Twitter, um internauta lançou um desafio aos seguidores: “Sem vergonha, ou pudor quanto ganharam no vosso primeiro emprego depois da licenciatura e/ou mestrado? Refiram por favor se foi part-time ou tempo inteiro”.
As respostas ontem já chegavam às centenas e foram poucos os que afirmaram receber mais de mil euros. Nenhum referiu o valor mencionado por Miguel Sousa Tavares. “505€ a tempo inteiro num call center”, “Full-time, 998€. Passou a 1250€ com a isenção de horário. Consultora tecnológica” e “500€ em 2010 num escritório de advogados em Lisboa com a licenciatura terminada e a tempo inteiro” foram algumas das respostas partilhadas.
Usando a base ofertas de emprego do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e pesquisando, a título de exemplo, por vagas para recém-licenciados surgem atualmente 27 anúncios e os salários oferecidos são sem bastante abaixo daquilo que foi referido por Miguel Sousa Tavares.
A um técnico e assistente farmacêutico, com licenciatura como requisito, são oferecidos 1200 euros brutos com um subsídio de alimentação de seis euros por dia e subsídio de transporte de 100 euros. Isto para um trabalho a tempo inteiro, no concelho de Odemira.
Se analisarmos, por outro lado, uma oferta de emprego para um Engenheiro de Obras de Engenharia Civil o salário fica entre 800 e os 1000 euros brutos, com um subsídio de alimentação de 7,60€ por dia.
De um modo geral, ao olhar para as primeiras 10 ofertas (áreas de comércio, farmácia, optometria, contabilidade, fisioterapia, engenharia, ensino, programação e recursos humanos) o salário médio ilíquido fica nos 1022€, menos 1678€ do que o valor referido por Miguel Sousa Tavares.
Vale a pena ser licenciado em Portugal?
Embora os salários médios dos jovens licenciados fiquem aquém das expectativas, de acordo com o relatório anual sobre a educação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), em Portugal continua a valer a pena tirar um curso superior.
O Education at a Glance 2020, com dados referentes a 2019, mostra que os licenciados portugueses entre os 25 e os 34 anos ganham salários 69% mais elevados do que os trabalhadores da mesma idade e sem curso superior. Além disso, mais de 80% daqueles que concluíram a licenciatura ganham um salário acima da média nacional.
De acordo com o mesmo relatório, entre 2009 e 2019, o número de adultos que concluiu o ensino superior aumentou 14%, acima da média da OCDE. No entanto, a média de diplomados, mesmo entre os jovens adultos, continua relativamente baixo, registando um valor de 37%, contra 45% na OCDE.
Os salários é que continuam abaixo da média da UE. Em 2018, de acordo com o Eurostat, a remuneração ilíquida média de uma hora de trabalho atingia valores mais elevados na Dinamarca (27,2 euros) e mais baixos na Bulgária (2,4 euros). Portugal surge no segundo lugar a contar do fim, na casa dos 5 euros. Em 2020, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, a remuneração bruta mensal por trabalhador aumentou 2,9% em 2020, para 1314 euros.