Não faz qualquer sentido o PSD ter-se envolvido num despique interno em pleno período eleitoral.
Como é óbvio, em vésperas de eleições legislativas os partidos têm de estar virados para fora, para o eleitorado, e não para dentro de si próprios.
Têm de gastar as energias disponíveis no combate aos adversários e não em lutas fratricidas.
Têm de se mostrar unidos contra os inimigos externos e não dividirem-se internamente, expondo a todos as suas fraquezas.
Ninguém terá dúvidas acerca disto.
Paulo Rangel, que desafia Rui Rio, poderá dizer que já havia decidido candidatar-se antes da dissolução do Parlamento.
Pode.
Mas a partir do momento em que o Orçamento foi chumbado, e que o Presidente decidiu marcar eleições, o mais correto teria sido recuar, juntando a sua voz à do líder do partido e dispondo-se a fazer campanha ao lado dele.
Implicaria algum sacrifício pessoal.
Mas os militantes partidários têm a obrigação de colocar os interesses do partido à frente dos seus.
Entretanto, as coisas são como são e as eleições no PSD vão mesmo realizar-se.
E aí os dois candidatos só poderão ter um objetivo: fazer do problema uma oportunidade.
Aproveitarem a campanha interna – uma espécie das ‘primárias’ nos Estados Unidos – para se projetarem no país, para se afirmarem, surgindo no fim de tudo com forças renovadas para ganhar as legislativas e conquistar a chefia do Governo.
Até porque, depois das diretas, o candidato vencedor terá o Congresso como um grande palco de consagração.
Enquanto o PS vive monotonamente a sua circunstância, o PSD pode aproveitar a disputa interna para despertar e espevitar o partido – e projetar no país o seu líder (seja um novo ou o mesmo).
Aquilo que hoje é visto no PSD como um grande problema poderá, se for bem explorado, funcionar até como uma vantagem.
Além disso, nestas eleições legislativas, o PSD tem outra coisa a seu favor: a recente vitória de Carlos Moedas em Lisboa.
Na capital, o inimaginável aconteceu.
Uma vitória ‘certa’ do candidato do PS acabou em inesperada derrota; e a derrota anunciada do candidato do PSD transformou-se milagrosamente em vitória.
O ‘impossível’ tornou-se possível.
Aquilo em que ninguém acreditava tornou-se real.
Ficou também claro que as sondagens podem errar clamorosamente – pelo que, mesmo que todas as sondagens daqui até às eleições venham a dar a vitórias ao PS, a vitória do PSD é mesmo assim possível.
Ora isto, psicologicamente, representa um grande conforto.
Tudo junto, se o PSD for capaz de usar bem o momento mediático que as eleições internas vão proporcionar; se tiver talento para explorar o ‘efeito Moedas’ – ou seja, a probabilidade de ser o menos favorito a ganhar nas urnas -, pode ter um excelente resultado nas próximas legislativas.
Não sei se será suficiente para ganhar – mas poderá ser uma surpresa.
Uma última nota sobre o que temos visto nos últimos dias.
Há duas semanas escrevi que Rui Rio pode ser melhor primeiro-ministro que Paulo Rangel, e expliquei porquê.
Mas para lá chegar não pode cometer erros primários.
Ora, com as suas declarações dos últimos dias, escancarando as portas a um acordo com o PS e fechando-as ao Chega, Rio caiu exatamente no mesmo erro que cometeu quando chegou à presidência do PSD, apressando-se a falar com António Costa e esquecendo o CDS.
O que agora Rui Rio tinha de dizer era muito simples: a esquerda governou durante seis anos, está esgotada, pelo que é tempo de virar a página – e a alternativa é o PSD.
Só isto.
Admitir que pode ser muleta do PS se este ganhar as eleições sem maioria absoluta, é a pior coisa que o líder do PSD poderia dizer depois de seis anos de governo socialista.
Admitir que o PS pode continuar no Governo por mais uns anos com a ajuda do PSD, era exatamente o que Rui Rio não poderia dizer em nenhuma circunstância.
Aliás, deu oportunidade a André Ventura para chamar ao PSD o «PS Dois» (um bom trocadilho) – e de dizer que o único voto de combate ao poder socialista é o voto no Chega.
Rui Rio tem um problema: explica-se demais.
Um líder não tem de se explicar – tem de afirmar.
Não é deste modo que Rui Rio terá hipóteses de vencer em 30 de janeiro – por muito que consiga fazer das eleições internas uma oportunidade para se projetar.