A importância de avaliar o risco familiar no cancro

No Dia Mundial da Luta contra o Cancro, que se assinala hoje, dia 4 de fevereiro, é importante sublinhar que nunca se diagnosticaram tantos casos como atualmente. Mas a que se deve este aumento de incidência? Será o cancro uma doença hereditária? As respostas a estas perguntas podem ajudar a evitar uma doença grave.

Por Sérgio Castedo, Especialista em Genética Médica e responsável pela Consulta de Oncogenética no Hospital CUF Porto

A incidência de cancro está a aumentar. No entanto, se é certo que são hoje diagnosticados mais casos de cancro do que antes, tal não se deve apenas ao aumento da incidência de cancro na população, mas também ao facto de, graças a uma maior generalização dos programas de rastreio de cancro e à existência de métodos de diagnóstico cada vez mais sensíveis, serem diagnosticados muitos casos em fases precoces, que anteriormente não seria possível detetar.

Por outro lado, o aumento da esperança de vida é o principal responsável pelo facto de as doenças que ocorrem tipicamente em idades mais avançadas – como as doenças cardiovasculares, os cancros e as demências – terem hoje uma incidência maior do que anteriormente.

Por último, a maior incidência de obesidade, o aumento do consumo de álcool, uma exposição solar excessiva, entre outros fatores de risco, contribuem também para o aumento da incidência de cancro.

Felizmente, no entanto, a taxa de mortalidade por cancro tem vindo a diminuir, fruto do investimento no diagnóstico precoce e dos progressos conseguidos no tratamento da doença.

Estima-se que 30% a 50% dos portugueses venham a ter cancro ao longo da vida e que mais de 25% dos óbitos sejam devidos a cancro.

Assim, não é de estranhar a existência de casos de cancro numa família, particularmente se os mesmos ocorreram em idades avançadas, mas tal não significa necessariamente que o risco de os familiares virem a ter cancro seja significativamente superior ao verificado na população.

O cancro é habitualmente uma doença esporádica e não hereditária, isto é, resulta do envelhecimento e consequente acumulação de erros no ADN nas células num determinado órgão, as quais podem eventualmente levar à sua multiplicação desregulada. 

Apenas cerca de 10% dos cancros são hereditários. O cancro hereditário é aquele que surge numa pessoa que nasceu com uma alteração genética que aumenta significativamente a sua predisposição para desenvolver cancro.

Em regra, o cancro hereditário surge em idades mais jovens do que o cancro esporádico, frequentemente antes dos 50 anos.

Enquanto no cancro esporádico as alterações no ADN estão limitadas às células do tumor (não se transmitindo, por isso, à descendência do doente), no cancro hereditário a alteração genética foi habitualmente herdada de um dos progenitores, existe em todas as células do doente e pode ser transmitida à descendência.

Deve-se suspeitar de cancro hereditário se na família dois ou mais familiares próximos tiveram cancro, particularmente se antes dos 50 anos, se alguém teve cancro em idade muito jovem (por exemplo, cancro da mama aos 30 anos), ou tumores primários múltiplos ou bilaterais independentemente da idade (por exemplo, cancro do cólon e cancro do estômago, ou cancro em ambas as mamas), ou vários casos de cancro em mais de uma geração. Nestes casos deverá procurar o seu Médico de Família ou uma consulta de Oncogenética, onde será avaliado se há, ou não, critérios para realizar um estudo genético.

E qual o interesse em saber se um cancro é hereditário ou esporádico? Se na Consulta de Oncogenética for considerado haver critérios de suspeição de cancro hereditário, será proposta a realização de estudo genético, o qual deverá ser iniciado, sempre que possível, por alguém que tenha tido cancro e não por um familiar saudável.

Se esse estudo revelar uma alteração genética que aumente significativamente o risco de cancro, a mesma poderá ser pesquisada nos familiares saudáveis, para determinar quem é portador e, por isso, tem um risco mais elevado de cancro, com indicação para uma vigilância mais intensiva e/ou adoção de medidas redutoras de risco, e quais os não-portadores, isto é, aqueles cujo risco de cancro é igual ao verificado na população, sem indicação, portanto, para qualquer vigilância diferente da recomendada para a população geral da mesma idade.

Se o estudo do doente suspeito não revelar alterações genéticas significativas, não haverá indicação para o estudo dos familiares saudáveis, mas apenas para a sua vigilância clínica.

Se é certo que não podemos alterar os nossos genes, podemos, pelo menos, controlar o nosso estilo de vida, evitando os fatores de risco conhecidos, como o tabagismo, consumo de álcool, sedentarismo, obesidade e exposição solar excessiva.

Sublinhe-se que estes fatores de risco aumentam o risco de cancro, tanto do esporádico, como do hereditário, pelo que em ambas as situações deverá evitar-se a exposição aos mesmos.