OE 2023 sob alta pressão

Já começou a contagem decrescente para serem conhecidas as medidas que irão afetar empresas e famílias. Patrões querem redução da carga fiscal, partidos pedem mais e economistas mostram-se pouco otimistas. A conta gotas o Governo vai revelando novidades: desde perspetivas económicas, passando pelo aumento dos salários e pensões.

por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

O Orçamento do Estado vai ser entregue na segunda-feira, mas o Governo já revelou as suas previsões económicas para o próximo ano. O Executivo prevê um crescimento económico de 1,3% no próximo ano e um défice de 0,9%.

O Presidente da República já admitiu que as previsões económicas são melhores do que esperava, mas considera que não se trata de «um exercício de maquilhagem política», apesar de reconhecer que podem falhar. «O Governo pode enganar-se, mas não altera de propósito os dados porque isso cairia em cima dele daqui por três ou quatro meses».

É certo que as previsões do Banco de Portugal apresentadas esta semana são positivas: a economia recupera da pandemia, apesar da perda de dinamismo devido à guerra da Ucrânia. Mas os preços continuam a crescer e tem sido «mais generalizada e persistente do que se esperava», afetando principalmente as famílias de menores rendimentos.

De acordo com o organismo liderado por Mário Centeno, a economia portuguesa vai crescer 6,7% este ano, «continuando a beneficiar da recuperação do turismo e do consumo privado». Já a inflação vai aumentar para 7,8%, «refletindo as crescentes pressões externas sobre os preços», enquanto o consumo privado deverá crescer 5,5%. Por seu lado, o investimento vai abrandar, crescendo apenas 0,8% e as exportações de bens e serviços deverão crescer 17,9%, acima da procura externa.

Mas à medida que se entra na contagem decrescente para a entrega do documento, também a pressão aumenta, no que diz respeito à redução da carga fiscal, nomeadamente a do IRS e do IRC, por parte das entidades empresariais.

O presidente da AEP pede um Orçamento que responda aos mais graves problemas associados ao atual contexto particularmente adverso que as empresas e as famílias enfrentam, «sem esquecer medidas de caráter mais estrutural, que coloquem o país numa rota de crescimento económico sustentável», considerando que o documento deve apostar «numa política orçamental que possa mitigar os brutais aumentos de custos das empresas e seja simultaneamente potenciadora da criação de riqueza e emprego, a única via que permitirá uma duradoura resposta social e uma trajetória de sustentabilidade das contas públicas».

Luís Miguel Ribeiro lembra ainda que a redução da carga fiscal sobre as empresas – onde se deve incluir o IRC – é uma das medidas em que a associação tem insistido. E acusa: «Portugal continua a apresentar uma carga fiscal elevada, em máximo histórico, e um significativo esforço fiscal – quando a relativizamos pelo nível de vida, isto é, pelo PIB per capita em paridade de poder de compra. A concretização de uma descida do IRC é um sinal positivo em termos de atratividade de investimento e competitividade da nossa economia», diz ao Nascer do SOL. No entanto, entende que essa redução deveria ser transversal a todo o tecido empresarial.

No cenário atual de maioria absoluta, o presidente da AEP considera que a estabilidade política é um ativo importante, mas para isso deve ser acompanhada por políticas públicas de qualidade, inseridas dentro de uma estratégia acertada e consequente para o desenvolvimento económico e social do país. «Esta estabilidade política deve ser usada para se fazer a tão ambicionada reforma do Estado, promotora de ganhos de eficiência, que permita diminuir o peso da despesa corrente, salvaguardando o necessário investimento público reprodutivo, e reduzir a carga e esforço fiscais», salienta.

Também para o presidente da AEP, a redução do IRC para todos os setores da atividade económica é mais que justificada. «Como temos um nível muito baixo de produtividade – 70% da média europeia – que está relacionado com a falta de dimensão das nossas empresas, e como não temos um grau de especialização produtiva muito significativo parece-nos adequado, numa primeira fase, a aplicação generalizada e não diferenciada da redução do IRC». Afirma, no entanto, que se essa redução for feita de forma seletiva para empresas abrangidas por contratação coletiva dinâmica e que procedam a aumentos salariais «merece alguma reflexão e será avisado que as confederações empresariais façam um debate interno sobre o assunto».

Ainda assim, José Eduardo Carvalho considera que essa redução tem de ser possível. «A melhor forma de capitalizar empresas e ter balanços robustos para enfrentar situações de emergência como a que vivemos, sem necessitar de andarmos constantemente a exigir estímulos e ajudas financeiras, é deixá-las ganhar dinheiro. E isto passa, entre outras medidas, pela política fiscal. É incompreensível que, desde 2011, os governos lancem impostos para fazer face a conjunturas adversas (dívidas soberanas, pandemia) e que nos ciclos de inversão dessas tendências permaneçam cristalizados e imutáveis», refere ao nosso jornal.

Para o responsável, o que seria desejável é que a política orçamental privilegiasse a redução da despesa pública de forma a que fosse sustentável a longo prazo, e que a consolidação não resultasse do crescimento da arrecadação fiscal sobre os rendimentos do capital e do trabalho. «De 2011 a 2021 a despesa total corrente passou de 80,4 mil milhões para 93,7 mil milhões de euros e conduziu a um aumento significativo das receitas fiscais, de 40,9 mil milhões para 52,8 mil milhões de euros e das contribuições sociais de 21,2 mil milhões para 27,1 mil milhões de euros. A principal consequência foi um aumento da carga fiscal que passou de 32,2% para 35,8% do PIB».

E vai mais longe: «Por outro lado, seria também desejável que se combinasse o objetivo de contenção da despesa com o estímulo à atividade económica, dada a complexa situação que as empresas vão enfrentar. O aumento da receita fiscal até junho de 2022, de 5,4 mil milhões de euros, devia ser aplicado no apoio às empresas, ao invés de privilegiar a despesa estrutural do Estado. A moderação salarial das administrações públicas e local também deve ser tida em conta». No entanto, admite que as propostas que aparecem no Parlamento, «salvo algumas exceções», tenderão a agravar a despesa pública e a arrecadação fiscal. «O contexto de crise internacional e as necessárias medidas de combate à inflação vão certamente condicionar o natural crescimento do Produto Interno Bruto, pelo que face à elevada dívida pública, será recomendável muita prudência».

Mais crítico é o presidente da CIP, ao defender que a redução do IRC «não é a bala de prata», apelando a uma redução fiscal mais generalizada.

De acordo com António Saraiva, a «redução do IRC é um dos itens, um dos objetivos, mas não é o único porque, sozinha, pouco vale», indicou, destacando que «o que vale é a redução da carga fiscal que as empresas e os cidadãos têm hoje sobre si, sobre rendimentos e a atividade económica».

O que se sabe

Aos poucos começam a ser conhecidos alguns detalhes sobre o Orçamento do Estado para o próximo ano, que chega numa altura em que se enfrenta um aumento expressivo dos preços e em que são precisas várias ajudas para famílias e empresas. Mas que medidas serão essas?

Aumento do salário mínimo

Atualmente nos 705 euros mensais, o salário mínimo nacional deverá crescer para os 760 euros já no próximo ano, segundo foi apresentado pelo Governo à Concertação Social. O valor agora proposto fica 10 euros acima do que estava previsto, mas a ideia é compensar os impactos da inflação. A meta mantém-se: alcançar os 900 euros até final da legislatura. «O valor da remuneração mínima mensal garantida atingirá o valor de, pelo menos, 900 euros em 2026, salvaguardando o poder de compra dos trabalhadores e assegurando a trajetória de crescimento iniciada em 2016», diz a proposta para o acordo de médio prazo de melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade. O Governo propõe que o salário mínimo evolua para 760 euros em 2023, para 810 euros em 2024, para 855 euros em 2025 e para 900 euros em 2026.

Aumento na Função Pública

O Governo propôs aos sindicatos da administração pública aumentos salariais entre 8% e 2%, com garantia de um mínimo de cerca de 52 euros por ano até 2026. As contas são da ministra da Presidência, que diz que «através deste mecanismo de atualização salarial, os salários da administração pública subirão, em média, 3,6% durante o próximo ano». De acordo com Mariana Vieira da Silva, «através deste mecanismo de atualização salarial, os salários da administração pública subirão, em média, 3,6% durante o próximo ano». Este novo mecanismo de atualização é plurianual, sendo válido até 2026.

Atualizar escalões do IRS

O documento prevê ainda a «atualização em 2023 dos escalões de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) com base no critério de valorização nominal das remunerações por trabalhador (5,1%), assegurando o princípio da neutralidade fiscal das atualizações salariais posteriores, com a atualização regular dos escalões de IRS», alteração à qual se junta uma aproximação «e, sempre que possível, eliminação da diferença entre a retenção na fonte de IRS e o imposto devido, evoluindo para um sistema de retenção na fonte que assegure que as valorizações salariais se traduzem em ganhos líquidos mensais para os trabalhadores». Os reembolsos, por sua vez, tenderão a ser cada vez menos expressivos.

Pensões aumentam

Desde que o Governo apresentou o pacote de apoios às famílias para enfrentar a inflação que esta medida é conhecida e até causou polémica. Feitas as contas, as pensões até 886 euros vão aumentar 4,43% e as que têm um valor entre os 886 e os 2.659 euros sobem 4,07%. Já as que estariam sujeitas a atualização tendo em conta a fórmula legal em vigor vão aumentar 3,53%.

Majoração em 50%

O Executivo de António Costa Governo propõe uma «majoração em 50% dos custos com a valorização salarial (remunerações e contribuições sociais), em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC)» para empresas que cumpram alguns critérios como o aumento dos salários em linha com o previsto no acordo.

Crédito à habitação

O secretário de Estado do Tesouro anunciou que o Governo está a preparar uma resposta ao agravamento da taxa de esforço das famílias no crédito à habitação. João Nuno Mendes anunciou que a proposta do executivo passará pela extensão do prazo ou suspensão da comissão de amortização, acrescentando ainda que a proposta prevê medidas que poderão ter em conta um refinanciamento do crédito e a celebração de um novo contrato ou a extensão do prazo de amortização, dispondo o cliente de um determinado prazo para, apresentando condições financeiras para tal, regressar ao prazo original.

Capitalização das empresas

No mês passado, o ministro das Finanças tinha anunciado que o próximo documento vai contar com medidas para a capitalização das empresas, o que defende ser uma «resposta adequada». Fernando Medina garantiu que «o que será um pilar no próximo Orçamento do Estado na dimensão associada ao reforço estrutural da economia que é a centralidade que» será dada «aos instrumentos de reforço de capitalização as empresas».

O que os partidos pedem

A poucos dias de se conhecerem as medidas oficiais do OE para o próximo ano, os partidos vão apresentando as suas propostas e criticando algumas medidas do Governo.

PSD quer reduzir IRS

O PSD já apresentou as «oito principais prioridades» com o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, a defender que «tem de haver um equilíbrio entre aquilo que é uma maior redução do défice e da dívida mas também aquilo que é apoiar as famílias e proteger as empresas, de forma a que quem está a sofrer mais com a inflação possa ter uma ajuda». Entre as várias medidas anunciadas pelo líder parlamentar do PSD, Miranda Sarmento, o partido quer aumentar o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) à taxa de inflação estimada de 7,4% ou reduzir o IRS até ao sexto escalão (inclusive), ao mesmo tempo que os escalões são atualizados à mesma taxa.

125 euros por mês todos os meses

O líder do Chega, André Ventura, anunciou a intenção de propor que o apoio de 125 euros não se resuma a este mês – como anunciado pelo Governo para ajudar as famílias a combater os efeitos da inflação – mas se estenda a todos os meses do próximo ano. Mas a medida-bandeira do partido é a não tributação dos subsídios de férias e de Natal no próximo ano. Medida que Ventura garante que terá um efeito real na poupança das famílias. O partido também propõe que os escalões de IRS sejam atualizados, mas não avançou com números. Foram mais de 300 propostas com destaque ainda para uma mexida no IRS para que o teto máximo das despesas que as famílias podem deduzir seja aumentado.

Redução do IVA

Também o CDS apresentou várias medidas. No que diz respeito ao IVA, defendeu uma taxa de 0% do IVA sobre bens alimentares essenciais. Mas não só. O partido liderado por Nuno Melo pede uma redução do IVA de 23% para 13% sobre a totalidade da conta de eletricidade e gás. No que diz respeito ao IRS, entre outros, defende o aumento em 25% das deduções à coleta em IRS com filhos, saúde, educação e despesas gerais familiares, bem como a taxa máxima de 10% de IRS para jovens até aos 30 anos. E, entre outras, pede a redução de taxa de IRC de 21% para 19% durante todo o ano de 2023 e a majoração de 150% dos custos de energia e combustíveis.

Outras reações

Sobre as perspetivas anunciadas esta sexta-feira pelo Governo, o Iniciativa Liberal diz ver «riscos orçamentais», considerando «excessivamente otimistas» as previsões apresentadas pelo Governo. «Nós falámos sobre a necessidade de perceber os riscos orçamentais deste crescimento económico. Tem estado a ser baseado no crescimento do consumo das famílias e nós sabemos que aquilo que é esperado é uma retração, é um desacelerar do consumo das famílias», disse Carla Castro, deputada do partido. E lembrou os dados do Banco de Portugal e institutos internacionais que preveem que a situação vai «piorar antes de melhorar». E acrescentou que, «mais uma vez, as expectativas otimistas do Governo. Nós consideramos que é de novo o PS a ser PS».

Crítico foi também o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, acusando o Executivo de António Costa de aceitar um «empobrecimento generalizado» dos portugueses pela perda de poder de compra de salários e pensões e contribuir para uma possível «tempestade perfeita» na economia portuguesa.

Por sua vez, o PCP diz que o documento tem que «dar prioridade à recuperação e à valorização dos salários e das pensões». Paula Santos avançou que «com o que já sabemos, significa que o Governo vai prolongar a perda de poder de comprar», disse a líder parlamentar comunista, acrescentando que o OE devia apostar na recuperação e valorização dos salários e pensões.

Mas há mais críticas. Rui Tavares, do Livre, considerou que será um «enorme erro» caso o Governo queira fazer «um brilharete» ao superar a meta de 1,9% do défice previsto até ao final do ano, «à custa da vida das pessoas».

E o PAN fala em projeções excessivamente otimistas, acusando o Governo de ter uma linha conservadora na política fiscal.

Economistas de pé atrás

Para César da Neves, o «próximo Orçamento vai ser marcante, porque é o primeiro do novo ministro – o anterior não conta, pois já estava feito. A inflação facilita a coleta dos impostos, mas cria várias pressões sobre a despesa (salários, pensões, apoios) e em breve o efeito da subida de juros começará a sentir-se. Vai ser um teste à nova atitude da maioria absoluta face ao equilíbrio orçamental».

E defende que o documento deveria contemplar medidas como a redução do IRS e do IRC, por considerar que seria «uma ajuda importante para as famílias e para as empresas com vista a enfrentar a subidas de preços», diz, defendendo mesmo que estas hipóteses são «melhores do que algumas das medidas já anunciadas». No entanto, diz que duvida que o Governo opte por essa via, por entender que «seria um grande risco orçamental».

Também Bagão Félix entende que o Orçamento do Estado para o próximo ano vai enfrentar o aumento nominal considerável da despesa pública, sobretudo devido às despesas relacionadas com pessoal, com juros e despesa social. Quanto aos impostos, acredita que não haverá grandes mexidas em 2023. «Primeiro, porque há a obsessão tributária, aqui e na Europa, de tudo querer resolver mantendo ou até aumentando a carga fiscal. Depois, porque o Governo não dá indicação de querer propor reformas estruturantes neste domínio, antes pequenos (e às vezes) ilusórios ajustamentos» e dá, como exemplo, o que se verifica com a chamada ‘tributação de lucros anormais’, depois do discurso da presidente da Comissão Europeia.

Mais crítico é Eugénio Rosa, ao afirmar que «uma coisa é o Orçamento do Estado que o país e os portugueses precisam devido à situação dramática que enfrentam, outra coisa diferente é o Orçamento que o Governo, dominado pela obsessão do défice, de ‘contas certas’, submisso à Comissão Europeia e ávido por aplausos de Bruxelas, deverá apresentar».

Quanto à revisão dos impostos, o economista defende o IRS em detrimento do IRC, dando como exemplo a execução até julho. «Nessa altura, o Estado tinha arrecadado de IRS 7336 milhões e de IRC apenas 4385 milhões. Já para todo o ano de 2022, o Orçamento prevê que as receitas de IRS atinjam 15202 milhões e as de IRC somente 5211 milhões, ou seja, pouco mais de um terço das de IRS. Portanto, as empresas e, nomeadamente, os grandes grupos económicos, já pagam pouco relativamente ao que pagam os trabalhadores (91,8% dos rendimentos declarados para efeitos do IRC são de trabalhadores e pensionistas)».