Com as urgências dos hospitais públicos novamente entupidas, o ministro da Saúde ‘assobia ao cochicho’ como se nada de grave se passasse, apesar de ser médico, enquanto o diretor executivo recém-nomeado – outro médico, este com fama de bom gestor –, promete ação em 2023, com uma equipa escolhida a dedo… e ao ralenti.
Se o SNS é um ‘bico de obra’ para o Governo, que tem andado a ‘meter a cabeça na areia’, desde o mantra ideológico de Marta Temido – a ver se a crise se resolve por si –, em contrapartida, aprovar a terceira versão da eutanásia, que fixa prazos rígidos na sua aplicação, parece ser uma prioridade socialista.
Apesar do elevado o número de óbitos em Portugal (o ano ainda não acabou e já houve mais dias com ‘excesso de mortalidade’ do que em 2021), sonegam-se responsabilidades, e os deputados preferem ignorar a impotência do SNS, tanto para acudir nas urgências como para a marcação atempada de consultas ou cirurgias prioritárias. E assim se morre mais depressa.
Reconheça-se, aliás, que, num sistema público degradado, com uma rede escassa em unidades de cuidados continuados ou paliativos, este diploma, a vingar, surge ao arrepio do mais elementar bom senso político.
Com invulgar crueza, foi o que concluiu a Conferência Episcopal, ao lamentar, numa nota distribuída a propósito da aprovação da legalização da eutanásia, que «numa altura em que as carências do sistema de saúde estão muito longe de ser superadas, possamos correr o risco de apresentar a proposta de recurso à eutanásia como solução mais rápida e menos onerosa».
Com razão, os bispos portugueses sentem que «a eutanásia e o suicídio assistido constituem graves ameaças para a humanidade».
Não por acaso, Portugal passará a figurar como o quinto país europeu a despenalizar a morte assistida, a seguir aos Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo e Espanha.
Fora da Europa, no continente americano, a eutanásia é legal no Canadá e na Colômbia, enquanto o suicídio assistido está regulamentado em cinco estados dos EUA – Washington, Oregon, Vermont, Califórnia e Montana. Depois, há o estado de Vitória, na Austrália e, desde 2021, na Nova Zelândia. As exceções contam-se pelos dedos…
No Canadá, por exemplo, onde a lei da eutanásia é extremamente permissiva, foi notícia que a ‘perda auditiva’ e uma depressão, valeram a um sexagenário a morte assistida, tal como aconteceu com uma atleta paraolímpica, que aguardava há cinco anos por um subsídio público para instalar em casa um elevador e que foi aconselhada, por um serviço oficial, em alternativa, a por termo à vida. Mais económico…
Dir-se-á que são abusos que só podem ocorrer em contextos raros. Mas o certo é que que ilustram bem até onde se pode chegar, quando se perde o respeito pela vida como valor absoluto.
A maioria parlamentar, teve pressa em colocar Portugal na ‘linha da frente’ da eutanásia e do suicídio assistido, apesar dos riscos evidentes de recuo civilizacional.
Por isso, não é de estranhar que personalidades como Pedro Passos Coelho não se tenham abstido de partilhar as suas reservas, classificando a eutanásia como «uma decisão (demasiado) radical», e apelando a um compromisso entre partidos, numa futura maioria parlamentar, para que se proceda à reversão do diploma.
Será expectável, entretanto, que Marcelo Rebelo de Sousa aja em consonância com convicções anteriores, e exerça o veto político ou remeta o diploma para o Tribunal Constitucional.
Está demonstrado que o mesmo Governo, que não conseguiu fazer descolar o país da ‘liga dos últimos’, em rendimento per capita na Europa a 27 – nem foi capaz de resolver os graves problemas no SNS –, pactuou com uma lei fraturante, que canta hossanas à morte assistida, prescindindo da consulta popular.
Recorde-se que já em fevereiro de 2020, a Ordem dos Médicos era perentória, lembrando o seu Conselho de Ética e Deontologia que «ao médico é vedada a ajuda ao suicídio, a eutanásia e a distanásia».
Não mudaram de ideias, tal como o Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida, que lamentou a versão final do diploma.
Curiosamente, o PCP manteve-se fiel à votação de 2018, quando o ex-líder parlamentar, João Oliveira, defendeu que «o direito a matar ou a matar-se não é um sinal de progresso, mas um passo no sentido do retrocesso individual (…)».
O PCP não se importou, então, de estar ao lado do CDS e de muitos deputados social-democratas contra a despenalização da eutanásia. Agora, sibilino, interroga-se sobre se um Estado que «nega a muitos cidadãos os meios para viver dignamente lhes deve oferecer os meios legais para antecipar a morte».
Em resposta, António Costa correu a anunciar outro apoio extraordinário para famílias vulneráveis. São remendos ‘em cima do joelho’, quando em vez de proteger-se a vida, se quer abreviá-la.