Riscos ditam cenário económico

Perspetivas de crescimento divergem: Governo é mais otimista do que o FMI, mas taxa de inflação continua a assombrar metas. BCE irá continuar a penalizar quem tem créditos ou quem pensa pedir. Mas há uma boa notícia: Portugal vai receber nova tranche do PRR no início do ano.

Incerteza. É desta forma que pode ser visto o ano de 2023. «A situação é muito incerta pelo que qualquer prognóstico, incluindo as metas do Governo, tem elevada probabilidade de falhar. Parece evidente que vamos viver bastante tempo num mundo com altas taxas de inflação e de juro. As primeiras facilitam a situação orçamental do Estado a curto prazo, as segundas agravam-na a médio prazo», diz ao Nascer do SOL o economista João César das Neves, acrescentando que «por sua vez a fragilidade da economia europeia face ao choque energético, à beira de uma recessão, pode gerar dificuldades ao nosso crescimento, prejudicando todas as outras finalidades».

 

Crescimento
Grandes dúvidas

O Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que a economia portuguesa vai crescer 0,7%, ficando aquém das metas apontadas pelo Governo, que estima um crescimento de 1,3%, mas bem acima das previsões para a zona euro, que deverá registar um crescimento de 0,5%.

No entanto, as perspetivas não são animadoras, como admite ao nosso jornal Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. «Quanto ao crescimento económico, espera-se uma forte desaceleração e possibilidade cada vez maior de recessão em várias geografias europeias e nos EUA. A enérgica subida das taxas de juro pressiona o desempenho da atividade económica. Em boa verdade, quanto mais elevadas e persistentemente elevadas forem as taxas de juro, maior será a probabilidade de uma recessão mais acentuada», defende. Sobre Portugal, diz que «a persistente subida das Euribor ameaça o crescimento económico, penalizando ainda mais o rendimento disponível dos portugueses que têm um crédito à habitação indexado à Euribor».

Ainda assim, Paulo Rosa acredita que uma potencial recessão «refreará a inflação no segundo semestre de 2023 e poderá reverter a alta dos juros no final de 2023, possibilitando uma recuperação económica em 2024».

 

Inflação
Sobe mas alivia

A galopar está também a inflação. Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que chegou aos 9,9% em novembro. Apesar de ter caído face ao mês anterior, a inflação durante este ano atingiu vários valores históricos. E as projeções também não são as melhores. O Banco Central Europeu já anunciou esperar a inflação permaneça acima da meta dos 2% nos próximos três anos. E mesmo a presidente do banco, Christine Lagarde deixou o aviso há menos de um mês: «Gostaria de ver a inflação ter atingido o seu pico em outubro, mas receio não ir tão longe como isso».

Para o economista do Banco Carregosa, «muito provavelmente, a inflação homóloga em Portugal deverá atingir o seu valor mais elevado no atual quarto trimestre de 2022», por isso, prevê-se que os efeitos base «diminuam gradualmente a partir do primeiro trimestre de 2023 e mais consideravelmente a partir da primavera, permitindo por esta via a queda da inflação em termos homólogos».

Ao Nascer do SOL, o economista relembra que a variação mensal da inflação já desacelerou em novembro e os preços subiram apenas 0,3% depois da alta de 1,2% em outubro. «A inflação em Portugal, tal como na Europa, é maioritariamente do lado da oferta e tem sido impulsionada pelo preço da energia e da alimentação, sobretudo após o início da guerra Ucrânia». Explica ainda que «à medida que os preços da energia diminuem, as cadeias de abastecimento se regularizam e as tensões geopolíticas no leste europeu abrandam, o aumento dos preços no consumidor tende a aliviar em Portugal».

Com o aumento das taxas de juro a deterior o rendimento disponível, penalizando a já frágil procura portuguesa, aumenta também a probabilidade «de recessão e contribuindo para uma tendência sustentada de desaceleração dos preços no consumidor em Portugal, sendo de esperar uma substancial descida da inflação na segunda metade de 2023».

E o economista alerta que os preços no produtor já estão a cair na Europa.

Segundo Paulo Rosa, a inflação na Alemanha deverá fixar-se em 7,5% em 2023, segundo o gabinete de economia e finanças da UE nas perspetivas de outono. Deverá ser de 7% na UE e 6,1% na área do euro. «O mesmo gabinete da UE antecipa para Portugal uma taxa de inflação de 5,8% em 2023, abaixo das expectativas para Europa», diz, lembrando que o Orçamento do Estado para 2023 aponta para 4% e o FMI referiu em outubro que a Inflação desaceleraria para 4,7% no próximo ano. «As projeções para a inflação portuguesa em 2023 são das mais baixas a nível europeu, mostrando que esta não está tão enraizada e generalizada como na Europa, beneficiando da menor dependência do gás natural russo».

Ora, defende, qualquer melhoria da inflação na UE e uma abrandamento dos preços das commodities, «conduziria a inflação portuguesa no final de 2023 para valores abaixo dos 4%, sendo que uma recessão aceleraria ainda mais essa queda da inflação».

E o Governo português diz estar a contar com os preços da energia para «puxarem a inflação para baixo» no próximo ano. «Os preços da energia vão pesar menos na carteira dos portugueses, vão ficar abaixo da inflação e vão puxar a inflação para baixo», prometeu o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro.

 

Juros
Taxas crescentes

Depois de anos consecutivos de juros negativos, o Banco Central Europeu (BCE) investiu no ano passado em força no aumento das taxas de juros em nome do combate à taxa de inflação. A subida dos juros teve um impacto nas taxas Euribor, tornado o crédito mais caro. Exemplo disso foi o valor das prestações mensais das hipotecas que disparam. Uma situação que também terá reflexos em quem está a pensar em pedir empréstimo.

A tendência é para se manter em 2023 e a próxima reunião está marcada para dia 2 de fevereiro. A meta é chegar aos 3% e, até lá, as subidas deverão rondar os 0,5%. No entanto, este cenário poderá ser ajustado se a inflação cair mais rapidamente do que o esperado.

«O Banco Central Europeu terá um ano de muito difícil gestão, uma vez que, tem de lidar com o controlo e redução da inflação, agravada pela guerra que continua no leste da Europa, assim como não descurar o apoio à atividade económica, que deverá ser essencialmente condicionada pelos preços energéticos e pela subida dos juros», alerta Mário Martins, analista da ActivTrades.

Ainda assim, admite que terá de existir «um equilíbrio muito delicado de manter na política monetária, o que dada a divergência evidente entre vários membros do board do BCE, poderá causar alguns momentos de tensão ou de indecisão, como já ocorreram no passado e que originaram custos significativos para alguns estados europeus».

Mas esta política também representa um desafio para o setor bancário. «O setor financeiro, em particular a banca, tem vindo a beneficiar dos aumentos das subidas dos juros ao longo conduzidos pelo BCE. No entanto, a médio e longo prazo devem surgir red flags – uma espécie de bandeira vermelha – dentro dos próprios bancos, dado que o risco em relação incumprimento no lado dos agentes económicos pode contribuir para um aumento do crédito malparado. E, por isso, será um desafio para os bancos durante os próximos tempos», diz ao Nascer do SOL o analista da XTB Henrique Tomé.

 

Malparado
Risco à espreita

Ligado ao aumento das taxas de juros, logo à subida das prestações está também o risco de disparar o crédito malparado. Um cenário que poderá assustar os bancos portugueses que não pretendem ter um déjà-vu do tempo da troika.

É certo que o ano passado foi positivo para o setor financeiro que viram os seus lucros a disparar. Cinco dos dos maiores bancos a operar no mercado nacional – Caixa Geral de Depósitos, novobanco, BPI, Santander e BCP ­– lucraram quase 1.942,4 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano. Feitas as contas, dá uma média diária de mais de 7,1 milhões por dia. E, com isso, a rentabilidade dos capitais próprios também disparou, superando os 8% no terceiro trimestre e atingindo máximos de mais de uma década.

 

Mercados financeiros
Correção

Para o analista da ActivTrades, o próximo ano deverá ser composto por um misto de correção e de recuperação nos principais índices mundiais. «Os investidores deverão continuar com uma posição mais defensiva, o que favorece a continuação da desvalorização, provavelmente até pelo menos ao final do primeiro trimestre de 2023», já no mercado cambial, acredita que o dólar não deverá revelar tanta força relativa como demonstrou em 2022, mas diz que dependerá essencialmente do comportamento da economia e das ações da Reserva Federal Americana e do BCE. «As matérias-primas estarão dependentes da procura, com destaque para os desenvolvimentos na China, seja na frente da pandemia da covid, como no desempenho da atividade económica», salienta.

 

PRR
Famosa ‘bazuca’

Portugal vai receber uma segunda parcela das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) no início do próximo ano, no valor de 1,8 mil milhões de euros. As verbas desta segunda tranche destinam-se em 30% para a transição verde, 27% para a transição digital, 18% para a coesão territorial e social e 10% para a saúde. A Comissão Europeia considerou que foram cumpridas as exigências, onde estão incluídas reformas e investimentos na área da saúde, como a entrada em vigor do novo modelo de contratação de gestão, e da transição ecológica e da adaptação às alterações climáticas, como a aprovação de projetos de inovação de bioeconomia no têxtil, calçado e setor da resina, do crescimento inclusivo e sustentável. «Prosseguimos a implementação do PRR nos termos em que estava programado, tal como a Comissão Europeia confirmou com a validação, em maio, do cumprimento dos 38 marcos e metas definidos até ao final de 2021, e que permitiu o pagamento do primeiro desembolso», disse Mariana Vieira da Silva.

Estes 1,8 mil milhões de euros vão juntar-se aos 1,16 mil milhões de euros que Portugal recebeu no primeiro reembolso, pago em março.