por Nuno Paiva Brandão
Gestor
Na sequência das inundações em Lisboa, em que os avisos à população sobre o mau tempo terão tardado, Luís Marques Mendes comentou: «A Proteção Civil agiu tarde e a más horas». Perante riscos iminentes, a entidade responsável pela segurança da população, demorou em emitir os necessários avisos e em recomendar comportamentos de segurança e soluções adequadas. Este episódio pode servir para lembrar a Luís Montenegro e a Rui Rocha que, perante os prejuízos e riscos para o povo português, criados por sete anos de governação socialista, é aconselhável não negligenciar a necessidade sistemática de emitir avisos de ‘mau governo’ e de apontar afirmativamente as soluções alternativas.
Para quem pense que a governação socialista se irá eternizar, pode ser útil fazer uma pequena incursão de política comparada, recordando o período 1982-1996 na Espanha governada pelo Partido Socialista Obrero Español (PSOE), com Felipe González como chefe do governo. González ganhou as eleições gerais em 1982 com 48% dos votos e venceu-as de novo, sucessivamente, em 1986, 1989 e 1993, tendo governado até 1996. O seu ciclo no poder durou 14 anos, o dobro de Costa, no momento presente.
Porque razões perdeu o PSOE em 1996 e que lições podemos retirar para a nossa realidade atual?
Comentadores políticos espanhóis apontam duas razões endógenas: «a responsabilidade política pela corrupção e abusos de poder e a nefasta gestão económica do país» e uma causa exógena: «A oposição encontrara o seu candidato, José Maria Aznar, e tinha construído uma equipa capaz de apresentar-se como uma alternativa real ao PSOE». Os mesmos indicam que, na área económica, o resultado das eleições de 1996, foi em grande parte função da ‘rebelião fiscal’, centrada em setores da classe média e média-alta, cansados de pagar impostos elevados e de receber, em troca, serviços públicos de fraca qualidade. No que se refere aos efeitos da corrupção e dos abusos de poder, o PSOE perdeu largas franjas de eleitorado urbano, economicamente ativo, mais jovem, com formação académica mais elevada e bem informado, que se revelou ser especialmente exigente nesta área, mostrando um maior pendor a pedir responsabilidades aos governantes.
Um estudo da época ilustrava ainda que, «ao penalizado contribuinte fiscal espanhol, doía-lhe não apenas a elevada carga fiscal que tinha de suportar, mas sobretudo o má que parecia, em ocasiões, a administração do dinheiro público». Em síntese, a derrota socialista, não foi apenas o resultado do fracasso das suas políticas económicas, mas também o choque com ‘a política’, através dos problemas de clientelismo e de abuso de poder.
Apesar das diferenças entre os dois países e da separação de um quarto de século, a semelhança entre as situações é assombrosa.
Mas a derrota do PSOE em 1996, não foi o produto automático das insatisfações de muitos setores da sociedade espanhola. A Espanha de então, teve um líder da oposição assertivo que emitiu contundentes ‘avisos de mau governo’ e apresentou, com a sua equipa, caminhos alternativos para o país. Em abril de 1994, no debate sobre o estado da nação, exigiu a demissão do PM, com a célebre expressão: «Váyase, señor González», recusando-lhe legitimidade para solucionar os problemas que o seu próprio governo tinha criado.
Em Portugal, a legitimidade de António Costa também está afetada. Não a legitimidade formal, que resulta das eleições, mas a chamada legitimidade por desempenho ou pelos resultados obtidos. Nesta dimensão da legitimidade democrática, os governos justificam a sua existência em termos práticos, pela qualidade dos resultados gerados para o conjunto da população. E esses têm sido, como inúmeros artigos neste jornal têm apresentado, resultados dececionantes e geradores de perdas de posição nos rankings da União Europeia (PIB/capita, taxa de pobreza, % carga fiscal, qualidade da vida democrática, etc). Um verdadeiro museu dos falhanços.
É interessante notar que González fez campanha em 1996, sob o conceito ‘El cambio del cambio’ (a mudança da mudança), realçando que os socialistas tinham compreendido os erros cometidos e que estavam dispostos a mudar. Curiosamente, esta conceção poderá ser útil à oposição democrática em Portugal. Já que fazer afirmativamente, o mesmo que outros protagonistas realizaram anteriormente em Espanha, e criar as condições em Portugal para uma viragem no Governo e no país, sugere uma ideia de mudança acentuada no desempenho dos partidos defensores da social-democracia e da democracia liberal.
Seguramente que os seus líderes conhecem e terão em consideração o aviso feito por Gorbachev em Berlim Leste, um mês antes da queda do muro que dividia o país: «A vida castiga os que chegam demasiado tarde».