Por Luís Menezes Leitão
No dia 16 de Fevereiro de 2023, o Governo decidiu anunciar aquele que seria o quarto pacote para a habitação, desde que o actual primeiro-ministro tomou posse. Esperar-se-ia que, depois de oito anos de pacotes recheados de medidas absolutamente desastrosas para o sector, houvesse finalmente o bom senso de arrepiar um caminho que já se viu que só contribui para reduzir a oferta de habitação. No entanto, como o bom senso, que Descartes dizia ser a coisa do mundo mais bem distribuída, falta totalmente aos responsáveis pelo sector em Portugal, o que assistimos foi ao anúncio de medidas de tal forma absurdas que irão arrasar completamente a confiança dos proprietários e dos investidores, fazendo desaparecer o mercado de arrendamento em Portugal por décadas.
Na verdade, o que estas medidas representam é um anúncio do regresso ao PREC gonçalvista de 1975, com congelamentos definitivos de rendas e imposição de arrendamentos compulsivos, isto em pleno século XXI, com uma Constituição que garante a propriedade privada, a qual é também garantida pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Aliás, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já declarou, no caso Hutten-Czapska contra a Polónia o congelamento de rendas como atentatório dos direitos fundamentais, obrigando à indemnização pelos prejuízos causados.
Esperar-se-ia, por isso, uma mínima consistência no anúncio de medidas tão gravosas e mesmo inconstitucionais, com a apresentação pelo menos de projectos de diplomas, mas o Governo colocou à discussão pública apenas um PowerPoint, como se fosse essa uma forma adequada de colocar iniciativas legislativas à discussão pública, abrindo caminho a toda a série de especulações e receios.
Efectivamente, a violência das medidas, a impreparação de quem as apresentou, e a irresponsabilidade do seu anúncio foram de tal ordem que deixaram perplexos praticamente todos os visados, os restantes partidos e até os próprios militantes do PS. Por esse motivo, o primeiro-ministro e a ministra da Habitação agora multiplicam-se em sessões de esclarecimento aos militantes do PS, fazendo lembrar as Campanhas de Dinamização Cultural e Cívica da Quinta Divisão do MFA em 1975, que pretendiam explicar as medidas revolucionárias aos populares, mesmo quando estes manifestamente não as conseguiam compreender.
Como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, esperar-se-ia do Presidente da República uma intervenção decisiva perante esta deriva gonçalvista ou venezuelana em que o Governo decidiu colocar o país. Mas o Presidente da República está a ter em relação a um assunto com esta gravidade a mesma ambiguidade que teve o General Costa Gomes em 1975. Assim, primeiro veio dizer que «o pacote de medidas é muito grande, só depois de abrir o melão é que será possível ver se será bom», lembrando que as medidas não estão vertidas em leis, havendo um mês de discussão pública pela frente, e nem sequer criticando o facto de a discussão pública incidir sobre um PowerPoint. E depois considerou que o debate à volta do pacote do Governo na área da habitação tem sido «muito animado, muito rico e esclarecedor», remetendo para o executivo e o parlamento a avaliação final das medidas.
Assim, apesar de o Governo sistematicamente o desmentir, é manifesto que os proprietários portugueses estão presentemente em risco de lhes voltar a acontecer o que sucedeu em 1975. O Estado pode vir a entrar-lhes pelas casas adentro, colocando lá pessoas estranhas, que ocuparão essas casas toda a sua vida a troco do pagamento de rendas miseráveis, ainda por cima congeladas, e que por isso se desvalorizarão sucessivamente ao longo de décadas. Mas, como já não estamos em 1975, estamos (ainda) num Estado de Direito, os proprietários irão recorrer aos tribunais, nacionais e internacionais, em defesa do seu direito constitucional à propriedade privada.
Por isso, não se venha dizer que só depois de abrir o melão é que se saberá se é bom. É perfeitamente possível ver se um melão está estragado, especialmente se estiver mole ou deitar sumo. E neste momento o que o Governo nos está a apresentar é um melão cultivado em 1975, estando por isso completamente podre por dentro.