por Miguel Alvim
DAR VOZ AO SILÊNCIO, é, com toda a justiça, um bom título, dado pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa ao seu relatório final, apresentado publicamente em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, no passado mês de Fevereiro.
No final dos seus trabalhos, a Comissão Independente decidiu que remeteria uma lista dos alegados abusadores, ainda no activo, para o Ministério Público, e para a Conferência Episcopal Portuguesa, para a análise adequada, recomendando, embora, o máximo respeito pelo sigilo.
Na sua primeira reacção ao Relatório, a CEP confirmou – e bem – que não iria ser afastado qualquer padre suspeito, só por o seu nome constar, meramente, de uma lista de denúncias, sendo indispensáveis outros dados de processo para uma adequada investigação, para a tomada de quaisquer decisões disciplinares com “uma base sólida”.
Afirmou, ainda, a criação duma nova comissão independente para continuar a acompanhar este assunto dentro da Igreja.
Sem prejuízo, agora há dias, em entrevista à CNN Portugal/TVI, Daniel Sampaio, médico psiquiatra que integrou a Comissão Independente, ao mesmo tempo que assegurava que o propósito da Comissão Independente não era o de perseguir ninguém, que ela não denunciava nenhum nome de vítima, nem de nenhum padre abusador, e que não iria denunciar os bispos, quis palco, e a pretexto das vítimas veio de uma penada denunciar a Igreja e os bispos.
Segundo disse, Daniel Sampaio terá assistido no decurso do trabalho da Comissão Independente a um braço de ferro entre quem quer a renovação e quem quer manter tudo na mesma na Igreja (indiciando nesse contexto, obviamente, que manter tudo na mesma também pode querer dizer manter a prática de crimes de abusos sexuais de crianças na Igreja e o seu ocultamento).
Com essa justificação, fez um juízo e um julgamento sumários com vista à resignação imediata e forçada de um conjunto de bispos (que não identificou na entrevista).
Num exercício irresponsável e reprovável, instilou dúvidas e tentou manchar a Igreja.
Ao mesmo tempo que afirmava não querer pôr nomes na entrevista sobre essas situações de ocultação/encobrimento, implicou, propositadamente, dois nomes importantes da Igreja Portuguesa: o próprio actual Presidente da CEP, D. José Ornelas, e o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.
Sublinhando que “não queria individualizar”, foi dizendo que há bispos que têm mais empatia e mais preocupação com as vítimas (os alegadamente bons) do que outros (os alegadamente maus).
Relativamente à objecção razoável de algumas dioceses de que é preciso investigar mais, que é preciso saber mais e ter mais detalhes para tomar (imediatamente) alguma decisão em relação a alguns dos padres denunciados (só com nomes), afirmou não a compreender, enquanto estabeleceu uma dúvida iníqua relativamente ao que possa ser um tipo generalista de padres (que não identifica), que são excelentes do ponto de vista comunitário, que estão muito bem inseridos na comunidade e fazem relevantes serviços. Mas que depois são abusadores…
Quase no fim da entrevista, afirmou que o afastamento de um padre pela mera suspeita (sem investigação) não é uma acusação, mas a defesa das vítimas, e desvelou uma pérola jurisdicional: “A decisão correta é afastar e vamos ver se há base para as podermos suspender ou não.”
Mobilizando artificialmente e falsamente a divisão na Igreja (sempre entre os alegadamente bons e os alegadamente maus) prescreveu: “Essa é que devia ser a ideia correta, como, aliás, foi sugerido por um grupo de católicos que pôs um prazo para que esse afastamento fosse imediato.”
Com efeito, Daniel Sampaio rejeitou a opção metodológica de fundo da Comissão de ser independente e, no afã de condenar sem contraditório, colocou-se a ele no centro de tudo, alçado no visível preconceito pessoal que tem contra a Igreja.
No processo perdeu de vista as vítimas, e ao fazê-lo perdeu-se irremediavelmente.
Miguel Alvim