O Partido da Coligação Nacional (NCP) foi o mais votado nas eleições legislativas do último domingo, elegendo 48 deputados. Imediatamente a seguir ficou a direita radical, com o Partido dos Finlandeses a conquistar 46 lugares, mais três do que o Partido Social-Democrata de Sanna Marin. Numas eleições que se adivinhavam renhidas, os três partidos aumentaram a sua força no parlamento em dez, sete e três lugares respetivamente.
O sistema eleitoral finlandês é proporcional com listas abertas, i.e., os eleitores ordenam os candidatos de acordo com a sua preferência. O líder do partido que obtém mais lugares é chamado a formar governo. Mas a proporcionalidade do método determina um sistema partidário fragmentado, obrigando à busca de consensos com vista à formação de uma coligação que, para ser maioritária, tem de ter pelo menos 101 lugares.
Cabe agora a Petteri Orpo, líder do NCP, tentar formar governo.
Marin não convence
Sanna Marin chegou ao poder em 2019, depois de ter sido nomeada para suceder a Antti Rinne na liderança dos sociais-democratas. Desde então tornou-se a primeira-ministra sensação de um governo de coligação de cinco partidos de centro, centro-esquerda e esquerda, todos liderados por mulheres, a maioria jovens.
Depois de ser criticada por fotografias que a própria descreveu como «impróprias» e por um vídeo onde aparecia a dançar, Hillary Clinton também dançou em sua defesa no Twitter. Marin, que teve de enfrentar os desafios da pandemia e uma guerra durante o seu mandato, deixa como principal legado o abandono do estatuto de neutralidade da Finlândia, com a adesão à NATO. Mas nem isso, nem as credenciais de género, a sororidade de Clinton ou o entusiasmo que o seu progressismo cosmopolita gerou além-fronteiras foram suficientes. Embora por pouco, Marin falhou o teste das urnas numas eleições que foram de vitória para o centro-direita e a direita radical, e em que a esquerda europeia perde uma das suas mais promissoras referências.
Mudança política
O NCP é um partido conservador de centro-direita. Faltando-lhe, segundo alguns analistas, carisma, o seu líder, Petteri Orpo, apostou nas credenciais económicas do partido, num contexto caracterizado pela inflação e aumento da dívida. A campanha assentou na promessa de cortar gastos públicos e limitar impostos, numa clara divergência com a política dos Sociais Democratas. Após o anúncio da vitória, Orpo afirmou que o seu partido tinha um «mandato forte» para avançar com as políticas necessárias para «reparar a economia, impulsionar o crescimento e criar emprego», apresentando o NCP como uma «alternativa clara ao governo de esquerda». Estas declarações sugerem que será dada prioridade à busca de soluções à direita.
O segundo lugar coube ao Partido dos Finlandeses, fundado em 1995 e liderado hoje por Rikka Purra. Uma das suas bandeiras fundacionais era o euroceticismo, mas, em linha com outras formações políticas europeias radicais à direita e à esquerda, o partido tem vindo a alterar a sua posição e já não se bate pela saída da União Europeia, mas pelo modelo de uma Europa unida, de nações soberanas, tendo-se juntado ao grupo dos Conservadores e Reformistas. Como outros partidos de direita radical, é contra políticas de imigração de portas abertas, e desafia o modelo multicultural. Tornou-se um dos três maiores partidos em 2011, quando se posicionou contra o resgate das economias do sul da Europa, e tem vindo a ganhar destaque entre o eleitorado mais jovem.
O centro-direita e a direita radical beneficiaram da conjuntura interna e externa, que penalizou os membros da coligação governativa liderada por Marin. Internamente, a Finlândia não escapou à inflação, provocada pelas políticas adotadas em várias latitudes para conter a pandemia, e depois agravada pelos efeitos da guerra na Ucrânia. E a dívida pública finlandesa, ainda que longe dos níveis críticos observados no sul da Europa, tem vindo a aumentar. Estes temas dominaram uma eleição onde questões como a imigração ou as batalhas culturais também tiveram relevância. E depois da Suécia, onde os Democratas Suecos se tornaram peça fundamental na coligação de governo, a direita radical pode voltar ao poder na Finlândia (o Partido dos Finlandeses já tinha integrado uma coligação governativa entre 2015 e 2017).
Geometrias de governação
A geometria mais provável para uma solução de governo será a de uma coligação entre o Partido da Coligação Nacional, o Partido dos Finlandeses, os Democratas Cristãos e, possivelmente, o Partido do Centro. O Partido do Centro, que já foi o primeiro partido finlandês, tem vindo a perder representação. Conquistou 23 lugares no domingo, menos oito do que em 2019. É um partido que se posiciona a meio do espectro político, com raízes rurais e dividido entre uma ala liberal e outra conservadora. Esta solução aproximar-se-ia da opção italiana, onde Giorgia Meloni lidera uma coligação de direita, que inclui a direita radical.
Neste cenário não seriam esperadas alterações na política externa, havendo convergência na adesão à NATO e no apoio à Ucrânia. Internamente, a solução traduzir-se-ia numa política económica mais liberal, e numa política social mais conservadora. Seriam expectáveis, no entanto, tensões na gestão do tema da imigração: se o Partido dos Finlandeses defende a estratégia de contenção adotada pela Dinamarca e a Suécia, o Partido da Coligação Nacional vê na imigração uma condição necessária para o crescimento económico.
Outro cenário possível é de uma coligação de governo orientada para o centro, integrando os Sociais Democratas. No entanto, este arranjo poderia dificultar a implementação do programa económico do PCN. Já para o Partido dos Finlandeses, que permaneceria na oposição, poderia traduzir-se num aumento do seu capital político.
A um ano das eleições europeias, os resultados das eleições na Finlândia também oferecem pistas sobre as dinâmicas de mudança política que estão a acontecer no contexto europeu, confirmando o desalinhamento entre um discurso mediático aparentemente hegemónico e aquilo que são as reivindicações e anseios de boa parte dos eleitores.