Passadas meia dúzia de horas sobre as mortes no Centro Ismaelita na Avenida Lusíada, em Lisboa, já ninguém falava no acontecimento em si – todos os comentadores estavam preocupados em criticar André Ventura que escrevera que aquele sangue «sujava as mãos de António Costa».
O problema já não era a morte das duas mulheres – eram as declarações de Ventura.
Ficavam assim bem claras as motivações dos comentadores e dos políticos que professam o politicamente correto.
A sua primeira preocupação foi refutar interpretações ‘xenófobas’, controlar os danos, evitar as generalizações, proclamar o crime como um ato isolado – que tanto poderia ter sido praticado por um imigrante afegão como por um cidadão nascido nos Açores ou na Beira Alta.
Chama-se a isto tapar o sol com a peneira.
Lembro-me de que, há vários anos, o SOL publicou uma notícia sobre uma vaga de assaltos na Quinta da Marinha, praticados por um gangue de indivíduos oriundos do Leste europeu. Ora, passados uns dias, recebi uma carta de um qualquer organismo estatal dizendo que o jornal cometera um crime, pois não podia referir a origem dos assaltantes. Indignado, peguei na caneta e respondi que considerava isso uma censura, pois a origem dos protagonistas de acontecimentos com relevo mediático – seja por más ou por boas razões – tem óbvio interesse noticioso. E acrescentava que não iria respeitar essa lei.
Agora, pelo que vi, já houve progressos, pois todos os media disseram na hora que o crime fora cometido por um refugiado afegão, adiantando o nome das vítimas e o local.
Torna-se por demais evidente que estes elementos são fundamentais para se poder fazer sobre o caso uma análise ajustada. Se não pudesse dizer-se que o homem era de nacionalidade afegã, que as mulheres eram portuguesas mas de origem muçulmana e que o atentado ocorreu no centro ismaelita, a notícia ficaria incompreensível: «Um homem de cerca de 40 anos matou à facada duas mulheres num edifício de uma instituição na Avenida Lusíada». Isto diria alguma coisa a alguém? E justificaria a visita do Presidente da República, de vários ministros, do presidente da Câmara de Lisboa, etc.?
Não queiram fazer as pessoas mais parvas do que já são!
Em casos como este, não adianta tentar desviar as atenções do essencial ou desculpabilizar o agressor dizendo que era mal acompanhado, que sofria de problemas psicológicos, que tinha dificuldades familiares.
Hoje, entra-se em Portugal com um visto não de trabalho mas ‘para arranjar trabalho’. Ora, será possível acompanhar todos os imigrantes que entram no país e dar-lhes todas as condições de conforto para que se sintam bem? Isso é impossível em qualquer situação e muito mais havendo uma política de imigração quase de portas escancaradas.
Ventura tocou neste ponto – e foi isso que levou muita gente a cair sobre ele. Não foi a frase «as mãos sujas de sangue» mas sim a ideia de que é necessário controlar a imigração.
Mas mesmo sobre a frase há algo a dizer. Alguns analistas consideraram-na prejudicial para o próprio, porque desencadeou uma onda de ataques contra si e centrou a polémica aí e não no crime. Confesso que não sei se foi má ou boa para ele. O certo é que se fez ouvir, enquanto aqueles que usaram paninhos quentes não despertaram as atenções de ninguém. E costuma dizer-se que, para um político, o pior é não falarem nele; falarem é sempre bom, mesmo que seja para dizer mal.
André Ventura, de resto, ilustra na perfeição esta ideia. Nunca se disse tanto mal de um político. Nunca foi tão atacado pelos outros políticos e por comentadores de todos os quadrantes, da esquerda, do centro e da direita. Nunca se chamaram tantos nomes a alguém. E, mês após mês, ele sobe nas sondagens.
Escrevi há uns anos que a imigração era um dos problemas principais que o Ocidente ia enfrentar, e que uma política permissiva ia transformar a Europa num barril de pólvora. E porquê? Não só pelas questões sociais que levantaria, pelas diferenças civilizacionais, pelos choques culturais, mas porque iria proporcionar à extrema-direita farta matéria para propaganda.
A realidade está hoje à vista.
Os partidos do sistema, porém, teimam em não a ver. O silêncio à volta da imigração, o tentar mascarar as questões que levanta, não resolve nada. A raiz do problema fica lá.
Claro que os imigrantes não são todos delinquentes, mal de nós se fossem. Claro que a esmagadora maioria é pacífica, e é necessária para cobrir a escassez de mão-de-obra nacional. Mas há sempre casos de inadaptação, recalcamentos, conflitos religiosos, distúrbios psicológicos – e, como o Estado não pode pôr um polícia atrás de cada imigrante que entra, o único modo de enfrentar a questão é um controlo rigoroso de entradas, como o Reino Unido já decretou (e o seu Governo é chefiado por um filho de imigrantes).
É preciso ter a coragem de fazer um grande debate sobre este assunto. Mas um debate sereno e não exaltado, onde se possa falar com total abertura, onde se possa dizer tudo sem limitações, onde haja coragem para colocar questões delicadas, onde não se ouçam insultos nem acusações de racismo, xenofobia, etc., como agora acontece a toda a hora.
Cada Governo tem de cuidar do seu país. Portugal precisa de pesar os prós e contras da imigração; definir que condições os imigrantes devem preencher; se deve haver ou não números limite; se devem existir ou não preferências (ou limitações) em função da nacionalidade, religião, formação, idade, etc.
Enquanto isto não for feito, a extrema-direita e os líderes populistas continuarão a capitalizar com o tema. Julgo que Ventura, ao ser tão falado neste caso, ganhou mais uns votos. É certo que enfureceu muita gente (e eu também não gosto do estilo). Mas os que o atacaram nunca votariam nele. E chamou as atenções de outros…