Por Luís Menezes Leitão
No passado dia 16 de Fevereiro, o Governo incendiou o sector da habitação em Portugal com o anúncio de medidas altamente gravosas e inconstitucionais, como o arrendamento coercivo, e as alterações ao regime do alojamento local, as quais lançaram o pânico nos proprietários, imigrantes e investidores. Numa tentativa de controlar os danos causados, a ministra da Habitação multiplicou-se em sessões de esclarecimento partidárias, mas não conseguiu convencer ninguém do acerto das medidas propostas. Na verdade, tornou-se evidente para todos, incluindo em muitos sectores do PS, que esse programa era um desastre absoluto e que deveria ser rapidamente abandonado.
O actual Governo caracteriza-se, no entanto, por uma cegueira ideológica absoluta, pelo que irá sempre insistir em recorrer a medidas extremistas, especialmente se forem inspiradas nos tempos do gonçalvismo, como o arrendamento coercivo ou quaisquer outros ataques à propriedade privada semelhantes. E, por isso, depois de deixar o sector da habitação a ferro e fogo durante dois meses, o Governo apresentou à Assembleia da República no passado dia 14 de Abril a proposta de lei 71/XV/1ª, que aprova medidas no âmbito do plano de intervenção ‘Mais Habitação’, as quais têm apenas algumas alterações de cosmética em relação ao anunciado a 16 de Fevereiro.
Ao receber esta proposta de lei, os serviços da Assembleia da República tiveram que verificar a regularidade regimental da mesma, para efeitos da sua admissão pelo presidente do Parlamento. Neste âmbito, esses serviços salientaram na Nota de Admissibilidade que «o Governo não junta estudos, documentos ou pareceres, que tenham fundamentado a apresentação desta iniciativa, não observando o disposto nº3 do artigo 124º do Regimento». Essa disposição determina efectivamente que «as propostas de lei devem ser acompanhadas dos estudos, documentos e pareceres que as tenham fundamentado, bem como das tomadas de posição das entidades ouvidas pelo Governo no âmbito do procedimento da respetiva aprovação». Ora, sabendo-se que o Governo recebeu 2700 contributos em consulta pública, estranha-se que os mesmos não tenham chegado ao Parlamento, e que nem sequer tenha sido elaborado um parecer ou estudo a fundamentar uma proposta desta gravidade.
Mas os serviços da Assembleia da República chamaram ainda a atenção para que «a iniciativa prevê a possibilidade de arrendamento forçado de imóveis devolutos (artigo 108.º-C do regime jurídico da urbanização e edificação, constante do artigo 21.º da proposta de lei), o que parece consubstanciar uma restrição ao direito à propriedade privada, previsto no artigo 62.º da Constituição», suscitando assim dúvidas sobre a sua conformidade constitucional. Apesar disso, a proposta foi admitida, não deixando, porém, os serviços do Parlamento de alertar para o seguinte: «Segundo o disposto no artigo 120.º do Regimento, não são admitidos projetos e propostas de lei ou propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados. Competindo aos serviços da Assembleia da República apenas fornecer a informação necessária para apoiar a tomada de decisões, assinalamos que, apesar de haver normas deste projeto de lei que nos suscitam dúvidas, as mesmas são suscetíveis de serem eliminadas ou corrigidas em sede de discussão na especialidade».
Por isso, o presidente da Assembleia da República, quando admitiu esta proposta de lei, proferiu um despacho, referindo: «Chamo a atenção para as observações da Nota de Admissibilidade, a ser consideradas no decurso do processo legislativo».
Este processo legislativo está, porém, inquinado desde o início, perante a gritante inconstitucionalidade das medidas propostas. Mas, mesmo que nada disto viesse a ser aprovado pelo Parlamento, no sector da habitação já se está a verificar uma enorme redução do investimento e da própria oferta de arrendamento, em virtude do gigantesco alarme social causado pelas medidas anunciadas, o que torna cada vez mais difícil a obtenção de habitação por quem dela necessita. Por isso, o único nome que este programa merece é o de ‘Menos Habitação’.