Por Luís Paulino Pereira, Médico
Encontrei por estes dias um colega que já não via há algum tempo e que, após breve troca de palavras, me disse com alguma ironia: «Tenho lido os teus artigos; mas, apesar de teres razão naquilo que dizes, nalguns deles… és um poeta».
Esta observação mexeu comigo, fazendo com que me interrogasse: serei mesmo um poeta? É que, tendo eu um gosto particular pela poesia, a opinião do meu amigo tinha outro significado: queria ele dizer que, em certos casos, sou um ingénuo, que acredito em coisas impossíveis de realizar, vivo num mundo irreal, sou mais idealista do que realista.
Não é assim que me considero. Porém, pegando nas suas palavras, veio-me à memória um poema da autoria de um doente e amigo meu, infelizmente já desaparecido, que define precisamente o que é ser poeta.
Fernando Guilherme Ferreira, seu autor, através de uma harmoniosa combinação de palavras e emoções, indica-nos um caminho que devíamos seguir – enaltecendo as coisas mais belas e mais simples desta vida, a que por vezes não ligamos ou às quais não damos a importância devida.
No mundo em que vivemos, não haverá lugar para pessoas sãs? Não se pode ser leal e amigo sem pensar em receber alguma coisa em troca? A confiança já não existe? A esperança é uma utopia? Acreditar em algo ou em alguém é sinónimo de ingenuidade? Hoje em dia, isto parece não fazer muito sentido. Ninguém pode acreditar em ninguém, as pessoas não são totalmente verdadeiras, tudo é complicado e difícil de resolver, o dinheiro fala sempre mais alto, em suma, o ‘mal’ parece prevalecer sobre o ‘bem’.
Na minha área profissional, o panorama é muito semelhante. Sempre me ensinaram que devemos partir do mais simples para o mais complicado, subindo degrau a degrau. Nunca medicar um doente antes de ter um diagnóstico e, quanto a exames complementares, sempre que for necessário… mas só quando for necessário.
Contudo, o que se passa na realidade não é isto. Em vez de se subir degrau a degrau, desce-se degrau a degrau, isto é, pedem-se primeiro todos os exames, necessários ou não, receita-se tudo e mais alguma coisa, para mais tarde se chegar à conclusão de que, afinal, nada daquilo era essencial para o doente. E, entretanto, alguém teve de suportar as despesas…
É bom ter presente que continua a haver pessoas saudáveis, que não precisam de medicação, nem de exames complementares fora dos prazos habituais. Não se podem inventar doenças nem impor à força esquemas terapêuticos complicados a quem não precisa deles. É fundamental distinguir doenças que obrigam a um tratamento rigoroso das vulgares situações clínicas próprias da idade, necessitando apenas de um acompanhamento regular ou de uma vigilância periódica.
Várias vezes conversei com este meu amigo sobre o tema em questão. Se ser poeta é ser simples, acreditar, ter confiança, seguir o que nos foi ensinado, procurar ajudar os outros e olhar sempre para o lado bom da vida, também eu sou poeta. Digo-o convictamente.
Fernando Guilherme Ferreira, para além de poeta, era uma pessoa simples, cordial, simpática e com um apurado sentido de família. Tal como dizia, tinha três mulheres na sua vida: a mãe, a mulher e a filha. Mais tarde, apareceram o genro e as netas, que fizeram dele um homem feliz.
Consciente da sua doença, que aceitou pacificamente, seguiu à risca as orientações médicas que lhe foram indicadas. Partiu na sua hora, rodeado de carinho e amor familiar, que ele próprio construiu. Partilho o poema que serviu de base ao meu artigo, convidando os leitores a apreciá-lo e a meditarem na beleza da sua mensagem. Onde quer que esteja, estará de certeza a incitar-nos a sermos, como ele, verdadeiros poetas.
«Se ser poeta é crer, ter confiança/amar sem nada esperar ou receber/Se ser poeta é menos do que ser/no mundo de maldade, uma criança/Se ser poeta é dar amor e ter/no coração ausência de vingança/e acreditar no bem e na esperança/na vida que se vive a padecer/Se ser poeta é não saber mentir/não praticar o mal para ferir/com intenção de ferir como uma seta/Se ser poeta é ver, sentir beleza/ e olhar enternecido a natureza/então sim, eu serei, eu sou poeta!».
(À memória de Fernando
Guilherme Ferreira)