Por Francisco Gonçalves
O primeiro-ministro de Portugal viaja para uma cimeira na Moldávia. Faz uma escala para assistir a um jogo de futebol, final de uma competição europeia, ao lado de um primeiro-ministro estrangeiro, que também vai estar na mesma cimeira (e em muitas outras que se seguirão). Tudo isto deveria ser normal, faz parte da política e da defesa do interesse nacional português, por quem tem essa responsabilidade. Em Portugal é um caso.
O chefe de governo húngaro, Viktor Orbán, tem diversas idiossincrasias que o tornam pouco simpático aos olhos comuns. Se, no início da sua carreira, era um político liberal, enquadrando-se entre as famílias políticas da democracia-cristã ou de uma social democracia europeia alargada, nesta sua segunda passagem pelo cargo de primeiro-ministro (já o tinha sido entre 1998 e 2002), tornou-se progressivamente iliberal e populista.
Independentemente das causas por detrás da viragem de posicionamento de Orbán, a verdade é que a Hungria é um parceiro, no quadro da União Europeia e da NATO, pelo que é essencial que o chefe de Governo de Portugal procure manter boa relação, assim como o deverá fazer com os seus demais congéneres. O primeiro-ministro de Portugal não está no cargo para fazer amigos, está para defender o interesse nacional.
Essa é, na realidade, a questão central: discutimos o caso da escala do primeiro-ministro em Budapeste, quando devíamos discutir o caso sui generis do país que parece não saber definir o seu interesse nacional.
Será que sabemos, hoje, onde o mesmo está? Sabemos que país queremos ser daqui a 30 ou 50 anos? Definimos os nossos setores de atividade estratégica e trabalhamos em função de os potenciar? Sabemos quais são os nossos mercados e defendemo-los? Ou somos um país de deslumbrados que se entretém a discutir casos, ora absurdos, ora patéticos, sem que discutamos verdadeiramente o lugar de Portugal no mundo e definamos políticas para sua defesa e prossecução.
O mundo pós-guerra fria terminou há muito. Com ele, deviam ter ido os sonhos do idealismo político do fim do interesse nacional e da Paz Perpétua. A globalização está em frangalhos. Ao que parece, em Portugal, pouco se aprendeu com as desilusões da crise do subprime e da covid-19. O nosso primeiro-ministro aparenta ter sido dos poucos a ouvir os sinos que tocaram. Quando as crises surgiram, a solidariedade praticada não correspondeu à solidariedade apregoada.
Consequentemente, António Costa não desilude enquanto primeiro-ministro quando fala com personagens politicamente pouco simpáticos. Desilude quando, apesar de ter compreendido como o mundo mudou, não acelera as reformas que todos sabemos necessárias em áreas essenciais do Estado, com vista a ajustar o país a um sistema internacional em profunda mutação.
Portugal não resistiu mais de 900 anos, enquanto Estado independente, por acidente. Resistiu sabendo adaptar-se às diversas alterações sistémicas, mantendo as opções em aberto e defendendo, com realismo (palavra maldita), o seu interesse nacional. É exatamente isso que devemos fazer nas nossas relações internacionais.
Internamente, enquanto se pretender discutir política com base em casos e questiúnculas, o primeiro-ministro continuará a ver o desempenho do seu cargo como um passeio no parque.