por Luís Menezes Leitão
Os Parlamentos nos regimes democráticos têm a função essencial de fiscalização dos actos do Governo e da Administração. Por isso, quando é realizado um inquérito parlamentar, é suposto que o mesmo contribua para o esclarecimento do que efectivamente se passou, sejam quais forem as consequências políticas que daí possam resultar.
Em Portugal, no entanto, os inquéritos parlamentares costumam ser encarados como parte do jogo político, em que cada partido toma a posição que mais o favorece, sendo por isso o resultado do inquérito a expressão da maioria parlamentar, sejam quais forem os factos apurados. Por isso, a esmagadora maioria dos inquéritos parlamentares não tem qualquer repercussão na opinião pública e rapidamente cai no esquecimento.
Esperava-se que a Comissão de Inquérito à TAP pudesse constituir excepção a esta regra, uma vez que, devido ao excelente trabalho de alguns parlamentares, começou-se de facto a descobrir toda uma série de episódios lamentáveis relativos ou conexos com a gestão da TAP, alguns deles mesmo rocambolescos, como a intervenção do SIS à noite para recuperar o computador de um adjunto acabado de despedir por telemóvel e que tinha ido buscar o computador ao Ministério das Infraestruturas.
Lamentavelmente, no entanto, o relatório preliminar apresentado não retira as conclusões óbvias do que se passou na gestão da TAP, pretendendo apenas desculpabilizar o Governo.
Em primeiro lugar, sobre a indemnização a Alexandra Reis, o relatório a págs. 59-60 não pode negar que o valor da mesma foi aprovado pelo secretário de Estado Hugo Mendes e pelo ministro Pedro Nuno Santos. No entanto, a responsabilidade financeira dos mesmos é afastada porque «apesar da informalidade na transmissão da concordância quanto ao montante acordado e à respetiva saída da Eng.ª AR, parece evidenciado que esta anuência foi conferida com base em pressupostos de conformidade legal de tais atos, transmitidos pela CEO Eng.ª CW – decorrentes do acompanhamento jurídico a que a Administradora cessante e a TAP tinham recorrido – que não terão sido objeto de confirmação por parte dos anteditos ex-membros do Governo» (p. 75). A responsabilidade dos membros do Governo português é assim elidida sempre que recebam uma proposta de um gestor público, cuja conformidade legal nem sequer têm que averiguar…
E sobre o processo de aprovação da saída e da indemnização a Alexandra Reis por WhatsApp, o relatório escreve a págs. 97: «A utilização de ‘whatsapp’ como meio de comunicação foi recorrente em todo este processo, todavia não se pode inferir que o processo decisório deste Ministério não seja formal». Parece que o WhatsApp passou a ser assim o procedimento administrativo normal das decisões ministeriais em Portugal…
Quanto ao facto de Alexandra Reis ter sido nomeada presidente da NAV apenas quatro meses depois da sua saída da TAP com indemnização, precisamente por convite do mesmo secretário de Estado que tinha aprovado a indemnização paga pela TAP, o Relatório escreve a págs. 105-106, que «não existem evidências de qualquer conexão entre a saída da TAP e respetiva nomeação para a NAV». Isto, imagine-se porque, no referido período temporal, o Presidente da República dissolveu a Assembleia «sendo imprevisíveis os resultados das eleições subsequentes». Se Alexandra Reis saiu da TAP a 4 de Fevereiro de 2022 e assumiu a Presidência da NAV em Junho de 2022, não se consegue perceber qual a relevância para este processo de ter havido eleições em 31 de Janeiro que, aliás, deram maioria absoluta ao partido do Governo.
Quanto ao episódio de 26 de Abril de 2023 no Ministério das Infraestruturas, que foi tema de várias sessões da Comissão de Inquérito, o relatório preliminar não lhe dedica uma única linha que seja, considerando portanto inútil todo o trabalho dos deputados e as declarações dos próprios depoentes nessas sessões.
A Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP vai acabar assim como é tradicional nas Comissões Parlamentares de Inquérito em Portugal: não produzirá resultado algum, contribuindo assim para o agravar do descrédito das nossas instituições. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.