Estava num restaurante que tinha a televisão ligada e, quando olhei, vi as imagens de Pedro Nuno Santos a chegar ao Parlamento, recebido, qual pop star, como um verdadeiro líder, sabe-se lá do quê. Ana Sá Lopes, uma amiga e jornalista completamente insuspeita na matéria, começava o seu texto no Público da seguinte maneira: «‘Ainda não fui ao beija-mão. Espero não vir a ser prejudicado no futuro’. A frase irónica é de um deputado do PS que não rodeou, abraçou, ou tirou selfies com Pedro Nuno Santos no seu regresso quase apoteótico à Assembleia da República».
A determinação do antigo ministro fez-me lembrar a célebre história do animal feroz. Já o escrevi algures, mas vou recordá-la. Há muitos anos, eu e a Cristina Figueiredo fomos entrevistar José Sócrates que tinha chegado à liderança do PS. Como já me estava a irritar com as suas evasivas, que a propósito de tudo e de nada me citava um poeta ou um filósofo, questionei-o se não tinha nada seu. O homem, com cara de mau, pediu para desligar o gravador e começou a dizer o que lhe ia na alma, explicando que tinha conseguido tudo a que se propusera, e estamos a falar politicamente, e que iria ser o próximo primeiro-ministro. Depois de ligado o gravador de novo, piquei-o, é certo, e é quando Sócrates tem a célebre frase «olhe que eu sou um animal feroz».
Ao ver as imagens de Pedro Nuno Santos lembrei-me desta história por causa da determinação. E nisso são muito parecidos. Se Sócrates não tivesse enveredado pelo lado negro da força teria ficado como um dos grandes primeiros-ministros deste país. Quem não se lembra do Simplex que tanto nos facilita a vida? Voltando ao ministro sem medo, o que dizer de alguém que foi apanhado a mentir com todos os dentes e que regressou em grande? Não se lembram do ministro que queria fazer uma reunião com o seu colega das Finanças para saber como tinha sido possível pagar 500 mil euros de indemnização a uma administradora da TAP que depois passou para outro cargo público, tendo terminado no Governo?
Uns dias depois, talvez alertado por alguém amigo, Pedro Nuno Santos lembrou-se que tinha um WhatsApp que comprovava que tinha aprovado a indemnização a Alexandra Reis.
Já antes, ao arrepio das mais elementares regras de boa convivência governamental, apanhou o primeiro-ministro fora para anunciar o novo aeroporto de Lisboa. Depois foi obrigado a fazer um mea culpa, mas nem a história da mentira de Alexandra Reis diminuiu a força de Pedro Nuno Santos no PS. O que não deixa de ser extraordinário e revelador da sua determinação. O antigo ministro das Infraestruturas quer e vai ser o futuro líder do PS – não se sabe é se antes de 2026 ou depois. Se será o futuro primeiro-ministro, tenho algumas dúvidas, mas a esquerda caviar gosta pouco de ligar a minudências esquerdistas. Se o que se passou com Pedro Nuno Santos se tivesse passado com um ministro de outra cor o que não se diria…
Certo é que com o seu andar, meio Mr. Bean, meio John Cleese, Pedro Nuno Santos consegue cativar deputados desamparados, que sonham com o regresso da geringonça, para nas tertúlias fazerem grandes vivas contra a propriedade privada e o capitalismo, apesar deles serem ilustres privilegiados.
Voltando ao princípio, se os deputados socialistas sentiram-se na obrigação de ir ao beija-mão, mostrando mais medo de Pedro Nuno Santos do que respeito por António Costa, o que terá pensado o primeiro-ministro de tal vassalagem? E todos sabemos que António Costa não é menino para ser derrotado no primeiro round… Tempos engraçados se avizinham no mundo socialista.
vitor.rainho@nascerdosol.pt