Conta-se que quando Salazar tomou conhecimento da descoberta das reservas de petróleo de Angola, o velho ditador terá exclamado: «Só nos faltava mais essa!».
O mesmo parece estar a acontecer com algumas elites portuguesas. Depois de ter dado tanto trabalho a inviabilização da exploração dos possíveis recursos nacionais, com corolário na inviabilização da exploração de hidrocarbonetos no offshore português, eis que as notícias da existência em Portugal de quantidades abundantes de um metal estratégico do século XXI, o lítio, vêm desestabilizar o esforço nacional para a inércia.
Uma afirmação como a de Salazar, que tinha uma ideia anacrónica do país e do mundo, entende-se perfeitamente. Salazar era um homem de outro tempo, que foi ultrapassado pela história. O mesmo já não se pode aplicar aos tempos atuais.
Portugal é, hoje, um país que parece confuso nos seus próprios pensamentos. Modernizou em setores estratégicos, como na energia ou na economia digital, mas continua a ter dúvidas em questões chave. Passa pela cabeça de alguém que o país com as maiores reservas de lítio da Europa (e 8.ª maior do mundo) não as explore?
A questão não é política, é técnica. Não se trata de saber se exploramos ou não, trata-se de saber como se exploram as reservas com o mínimo impacto ambiental possível.
A falta de pragmatismo nas opções estratégicas nacionais tem levado a anos (ou décadas) de atraso relativo do país. Há alguns dias aterrei em Lisboa vindo de Amesterdão. Entre a espera pela escada, a espera que o autocarro enchesse, o percurso do autocarro e a saída das malas, passou uma hora. Quando comentei a espera com uma pessoa que estava ao meu lado, esta respondeu-me que «a Holanda é outra realidade». É, sim: os Países Baixos têm menos de metade da área de Portugal, mais 70% da população e um PIB per capita que é mais do dobro do português. É outra realidade? É, sim, mas apenas porque queremos!
Portugal recusou explorar os seus hidrocarbonetos. Os Países Baixos produzem-nos. Quase aposto que, se aquele país tivesse as nossas reservas de lítio, dificilmente alguém escreveria este artigo num jornal. O pragmatismo imperaria, com toda a naturalidade. Aqui não é assim.
Há alguns tempos, numa reunião do Executivo Municipal de Oeiras, usei o exemplo dos Países Baixos. Uma vereadora da oposição argumentou que «eles não são um bom exemplo». Podem até não ser, mas quando Portugal faliu, após a crise do subprime, estiveram entre os financiadores da nossa «República do bom exemplo».
Penso, muitas vezes, como é possível que o país permita ter, nas suas elites políticas, tão pouca preparação e tão pouco conhecimento do mundo real. Chego, quase sempre, à mesmíssima conclusão: a nossa seleção do pessoal político é uma lástima. Não se trata apenas de termos maus ministros ou secretários de Estado, também os temos bons ou excecionais. Todavia, a queda do nível geral do pessoal político sente-se na falta de qualidade das decisões.
O tempo que perdemos em discussões estéreis, sobre problemas que não são problemas, e que impedem as decisões estratégicas sobre o futuro do país, é asfixiante.
Há poucos meses, o ministro da Economia dizia a Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, que esta tinha «obsessões sobre coisas erradas». Problema comum dos políticos portugueses: muita utopia e pouca realidade.
O mundo faz-se de coisas reais, o sonho comanda a vida, mas não pode comandar decisões.