por Luís Menezes Leitão
O primeiro-ministro encontrou formas particulares de evitar as questões incómodas dos jornalistas. Uma é nem sequer permitir que as formulem, como aconteceu na passada terça-feira em Bruxelas, em que impediu um jornalista de lhe fazer perguntas sobre Portugal, dizendo que nem sequer as queria ouvir. Outra é responder completamente ao lado, como quando lhe perguntaram sobre a demissão do secretário de Estado da Defesa, e o primeiro-ministro responde que se vai «concentrar seguramente hoje naquilo que interessa à vida dos portugueses», desvalorizando assim claramente essa demissão.
Quando vários comentadores concluem que o primeiro-ministro, com esta sua resposta, está a desvalorizar a corrupção, este escreve um artigo de opinião no Observador, chamado Desvalorizo a corrupção? onde a essa pergunta responde taxativamente: «Não! Não desvalorizo a corrupção».
Esta é reconhecidamente a melhor forma de evitar perguntas incómodas dos jornalistas. O primeiro-ministro assume o papel do jornalista, faz a pergunta e dá ele próprio a resposta. Ninguém duvidará que esta é uma maneira excelente de um Governo se relacionar com a comunicação social. Aguarda-se que os restantes ministros sigam o exemplo, abolindo rapidamente as suas conferências de imprensa, e publicando artigos de opinião em que eles próprios fazem as perguntas e dão as respostas. Nenhumas dúvidas existem de que desta forma não haverá perguntas incómodas e os nossos governantes conseguirão esclarecer adequadamente o público sobre as maravilhas da sua governação.
Qualquer análise sobre a política deste Governo no combate à corrupção demonstra pelo contrário a total desvalorização deste combate. Basta ver o relatório publicado em Setembro de 2022 pelo GRECO – Grupo de Estados contra a Corrupção do Conselho da Europa relativo à prevenção da corrupção em relação a deputados, juízes e procuradores (GrecoRC4(2022)20), onde são analisadas as medidas tomadas pelas autoridades portuguesas para implementar as recomendações formuladas no Relatório do Quarto Ciclo de Avaliação sobre Portugal, publicado em 2015. Este relatório conclui que, nos sete anos em que António Costa é primeiro-ministro, Portugal fez apenas pequenos progressos em relação ao cumprimento das recomendações do GRECO, sendo que, das quinze recomendações que foram feitas, apenas três foram implementadas de forma satisfatória. Por isso a classificação dada a Portugal no relatório é a de «globalmente insatisfatório», o que demonstra claramente uma desvalorização deste combate por parte do Governo.
Também o capítulo relativo a Portugal no Relatório da Comissão sobre o Estado de Direito na União Europeia 2022 (SWD(2022) 522 final) refere na pág. 10 que o índice de percepção da corrupção em Portugal da Transparency International se mantém em 62/100, estando estagnado há cinco anos. Também o 2022 Special Eurobarometer on Corruption refere que 90% dos inquiridos estão convencidos de que a corrupção está largamente difundida no nosso país, enquanto que a média da União Europeia é de 68%. Da mesma forma 44% dos inquiridos respondeu ter sido pessoalmente afectado pela corrupção na sua vida diária, quando a média da União Europeia é de 24%. Em relação às empresas, 85% das mesmas considera que a corrupção está largamente difundida em Portugal, enquanto que a média da União Europeia é de 63%, e 55% refere que a corrupção é um problema nos seus negócios, enquanto que na União Europeia é de 34%. Perante estes dados é manifesto que o Governo teria que fazer muito mais contra a corrupção, pelo que, não o estando a fazer, está claramente a desvalorizá-la.
Na verdade, a única medida que o Governo tomou sobre a corrupção foi adoptar uma Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, apenas aprovada por Resolução do Conselho de Ministros em Abril de 2021, sendo que o Regime Geral de Prevenção da Corrupção apenas foi publicado em Dezembro desse ano, e só entrou em vigor 180 dias depois. Ou seja quase metade do período de vigência dessa Estratégia, aliás totalmente inconsequente, já tinha decorrido antes sequer de a mesma entrar em vigor. E o Mecanismo Nacional Anticorrupção, criado por essa Estratégia, apenas começou a funcionar plenamente em Junho de 2023, ou seja, no mês passado. Se isto não é desvalorizar a corrupção, o que será desvalorizar a corrupção, Senhor primeiro-ministro?