Por Francisco Gonçalves
Todos os anos, quando o final da primavera começa a permitir, Portugal é inundado por concertos e festivais de música. Trata-se de uma indústria de grande relevância, sobretudo económica e cultural, com efeito reprodutivo em outras áreas da economia, como na hotelaria e restauração.
Quem hoje cresce em Portugal, e frequenta estes grandes festivais (ou os concertos do Passeio Marítimo de Algés, transformado no ‘rockódromo’ português), não saberá que os seus pais foram jovens num país onde os concertos dos seus cantores e das suas bandas favoritas eram uma raridade.
O país estava, na maior parte das vezes, fora dos circuitos das tournées. Se, hoje, um grande concerto é um acontecimento, há 30 anos era motivo de muitas mais notícias e reportagens. As conversas sobre um concerto prolongavam-se durante semanas, ou meses, depois do mesmo ter ocorrido.
O Portugal das primeiras décadas do pós-25 de Abril era um país (ainda mais) pobre, estruturalmente (ainda mais) atrasado, no qual não havia recursos para pagar (muitas vezes) a vinda das grandes bandas internacionais.
Foi a normalização do país, depois da adesão à CEE/UE, que permitiu o desenvolvimento da indústria dos grandes eventos.
Foi necessário ganhar confiança junto dos artistas e dos seus agentes, com vista a poder colocar Portugal no circuito das tournées. Se a melhoria na imagem global do país foi importante, não foi menos relevante o trabalho de grande mérito dos promotores desses eventos. Foram eles que desenvolveram a indústria e devem ter esse reconhecimento.
Paralelamente, aprendeu-se muito em matéria de capacidade de organização. Ver um grande festival a ganhar corpo é uma experiência digna de ser observada. Quando, entre outubro e abril, passamos na estrada marginal e observamos o ‘terrapleno de Algés’, dificilmente imaginamo-lo transformado no ‘Passeio Marítimo de Algés’ – nome conquistado pelo êxito dos eventos que ali se realizam.
Os grandes eventos são um produto de uma indústria muito profissional, que a maior parte dos portugueses não conhece o suficiente. Para quem pouco a conhece, realizar grandes eventos é ‘fazer umas festas’, mas não é assim.
São operações logísticas de grande monta, que exigem imensa organização, grande capacidade técnica e profissionais altamente qualificados – capazes de gerir índices de stress demolidores. As estruturas montadas têm de assegurar estabilidade e segurança a quem ali trabalha e aos clientes. Qualquer falha é a ‘morte de um evento’.
O centro de comando das operações, relativo à proteção civil e à segurança, pública e privada, INEM e bombeiros, exige uma coordenação e uma articulação interdepartamental que só gente altamente qualificada é capaz. Ali coabitam autoridades policiais distintas, muitas vezes com presença de polícias estrangeiras. Num país carregado de ‘pequenas quintas’, esta capacidade de trabalhar em conjunto (quase sempre, lamentavelmente, com ovelhas ronhosas) deve ser assinalada.
Os grandes eventos atraem turistas, que ficam na região ou no país, muito para lá dos dias em que ocorrem, criam empregos e são parte da economia. São fonte de receita para o Estado.
Para lá da economia, estes eventos são também reflexo de um país que mudou (menos do que muitos de nós desejariam), tornando-se substancialmente mais sofisticado e com um ar mais respirável. São espaços de liberdade, felicidade e vivência cultural, com gente diferente unida por algo essencial à vida: a música.
Quando organizados em espaço urbano, os grandes eventos trazem mais barulho, mais trânsito e mais confusão. Trazem mais vida à vida.
Da minha parte, ‘festivaleiro’ assumido, o meu agradecimento por fazerem parte do Portugal que mudou, levantando o véu do país que podíamos ser.