Dois tipos de erro

Acho que se pode gozar melhor da vida nos USA e construir projetos inspiradores em Portugal…

Queridas Filhas,

Como Pai, o meu maior medo é que algo vos aconteça. Não estou sozinho neste sentimento. Nesse sentido, vocês assim como a grande maioria de filhos crescem com uma educação protecionista. Paternalista. Cuidado. Não vás por aí. Cuidado com aquela zona da cidade. Evita aquelas companhias. Chega cedo a casa…

Natural e compreensível. Queremos proteger de desastres. Estes veem de erros de comissão. Algo que fazemos (ou esquecemos de fazer) que nos magoa. Infelizmente, pouca gente nos ensina o segundo erro. O erro de omissão. O que perdemos quando nada fazemos. Os pais estão menos sintonizados com este risco. Só o tempo e experiência nos ensina, de maneira amarga estes custos. Mas os custos destes erros não são menores do que os custos dos primeiros. Na minha experiência, os custos do que não fazemos são bem maiores do que dos erros que fazemos (desde que estes não nos matem!). Mas ninguém nos vai dizer isso. Só uma reflexão própria nos revelara os custos das portas que tivemos medo ou preguiça para abrir durante a nossa vida. Quantas amigos não foram feitos? A cara-metade que não se conheceu? O emprego que não tivemos? A empresa que não criamos? A pessoa que não consolamos? O grupo que não inspiramos? A conversa que não desfrutamos? A desculpa que não pedimos? O amor que não revelamos?

Pondo o telefone na mesa e pensando um minuto conseguimos entender isso. Um custo simples de perceber. Mas muito difícil de evitar. Eu próprio erro aqui muitas vezes. Ainda esta semana me culpei de não ter ido a Portugal ao encontro de antigos alunos da minha faculdade. Tinha estado em Portugal há 3 semanas e terei de voltar daqui a mais 6 semanas. De facto, viagens e custos elevados. E a família abandonada. Mas as oportunidades perdidas de não ver pessoas com quem não estou há mais de 10 anos? Seguramente bem maiores. Mais um erro que me relembrou desta regra.

Tendo vivido em Portugal e nos EUA cada metade da minha vida penso que cada cultura tem algo a ensinar a outra neste tipo de erro. Em Portugal poucas oportunidades se perdem para se sair a noite, passear e estar com amigos. As pessoas estão bem alinhadas com o gozar da vida. Por isso, muitos turistas que vão a Portugal se apaixonam pelo país e pela sua cultura. Nos EUA, pelo menos em NYC, sempre se pode encontrar algo excitante para se fazer a toda a hora. Mas não é fácil arranjar companhia certa pois as pessoas trabalham e viajam em trabalho muito. Grupos da quarta, amigos da sexta, ou semelhantes não são fáceis de organizar por NYC. A vida pessoal perde um pouco com isso.

Por outro lado, em termos profissionais, nos USA todos são sonhadores. Todos imaginam projetos e acreditam que podem lançar a próxima grande empresa, fazer o próximo grande filme, escrever o próximo grande livro ou fazer o próximo grande investimento. O entusiasmo contagia. A mentalidade é que soo se vive uma vez e todas as pedras devem ser viradas. Percalços, desaires e desapontamentos são esperados e até celebrados. As pessoas inventam e reinventam várias vezes a sua carreira e vida. Quem falha, tem um currículo interessante e experiência relevante. Não fica sem emprego muito tempo.

Em Portugal, cada vez que regresso tudo está igual. Sempre que alguém tenta lançar algo novo, vozes se levantam a prognosticar dificuldades. Quando as dificuldades inevitavelmente surgem, os prognosticadores com modéstia pouco disfarçada recordam a sua clarividência anterior. Ainda sentados na mesma cadeira.

Mas não tem de ser assim. Acho que se pode gozar melhor da vida nos USA e construir projetos inspiradores em Portugal. Tenho esperança que a vossa geração faça melhor que a minha. E esta carta é um minúsculo contributo para isso.