Por deformação profissional, sempre que se conhecem notícias de extinção de organismos públicos, ou de fusão entre alguns deles, gosto de entender até que ponto essas operações se justificam e, mais do que isso, se são devidamente pensadas. Desta vez tive oportunidade de me aperceber de alguns aspectos que, no meu entender, são bem demonstrativos do quanto a demagogia, o descaramento e o à vontade que uma maioria absoluta pode conferir a quem a detém, são passíveis de influenciar a opinião pública:
O contexto – teria a extinção do SEF, organismo que, entre outras funções, superintendia as entradas no nosso país, era responsável pela emissão e renovação das autorizações de residência e por emitir parecer sobre os processos de concessão de nacionalidade portuguesa por naturalização, resultado duma necessidade sentida pelo Governo, duma reflexão profunda, ou seria consequência da morte de um cidadão ucraniano nas suas instalações no aeroporto de Lisboa?
As datas de produção de efeitos – a extinção do SEF foi anunciada para, pelo menos, 3 ou 4 datas distintas, as duas primeiras que não teriam qualquer hipótese prática de concretização, por tão perto se encontrarem do anúncio inicial (a segunda até antecipava o primeiro prazo em alguns meses);
A preparação inexistente – qualquer “reorganização administrativa” – chamo-lhe assim para simplificar – não passa apenas por tomar a decisão e comunicá-la de um dia para o outro, promulgando-a em Diário da República. Perguntas a que havia que dar resposta, por exemplo: existia algum programa estruturado de iniciativas que tivesse sido preparado para suportar a extinção e consequente “transferência”? Para que organismos transitariam as pessoas? E teriam elas as competências necessárias para assumir as novas funções e a execução bem sucedida das responsabilidades a atribuir? Que formação seria necessário ministrar (a quantas pessoas, a quais, quando, com que conteúdos programáticos) para garantir a transferência? Havia trabalho atrasado? Como seria recuperado? As culturas vigentes em cada uma delas seriam compatíveis, sendo umas organizações militares e/ou paramilitares e outras não? E de que informação dispunham os próprios afetados pela decisão? Com que antecedência a conheceriam?
A equidade – conheciam-se as categorias profissionais das diversas instituições? Seriam equiparáveis? O que teria que ser feito para que o fossem? E os mecanismos remuneratórios e de avaliação de desempenho dos profissionais, seriam conciliáveis? E quanto às aplicações informáticas? Serviam as que eram à data utilizadas por cada organismo? Se não, que modificações lhes deveriam ser introduzidas?
Os custos – por mais políticas que possam ser as decisões, convém que sejam devidamente ponderadas por todas as questões acima elencadas, a que acrescem os custos. Para dar um exemplo: haveria custos de indemnizações a pagar a quem fosse excluído do processo de transferência? Caso houvesse requisitos de mobilidade, em quanto importariam? E os custos com a transformação dos sistemas de informação? Quem os conhecia?
A observação atenta das entrevistas que os meios de comunicação foram fazendo a diversos interlocutores, o tempo que decorreu até à extinção de jure (que não de facto) do SEF, bem como a simples leitura dos estatutos da AIMA e a divulgação da criação do Gabinete de Coordenação e Gestão Integrada de Fronteiras, publicados em DR no passado dia 27, evidenciam bem que a música que nos querem vender não fica assim tanto no ouvido…!