Veni, vidi e mictei

Quantos destes votam no dia 10 de março? Todos. Em quem votam? Nos chicos-espertos como eles. É o país que temos, de ignorantes, de arrogantes e indiferentes ao seu semelhante. Não se admirem de continuarmos na cepa torta. 

A cena passa-se num magnifico e histórico palácio, totalmente dedicado a exposições de arte contemporânea, em particular de pintura e escultura. Absorto que estava eu, entre pousar e retirar os óculos por cima do nariz, alternando um olhar abrangente com o exame de minúcias técnicas no quadro que examinava, quando fui surpreso com o clamar dela para o marido, parecia que ambos se encontravam a sós em sua casa. Este alheamento em compreender a distinção entre o que é público ou privado, não é apenas defeito dos políticos no seu despesismo, mas é comum à boçalidade através da qual muitos se creem na vida.

Entraram e disseram, nem entendi o quê, somente pela altivez fui obrigado a ouvi-la. Deram a volta às duas salas de exposição em 34 segundos, cronómetro em mão, minha mão. 

Dividido por duas cabeças ocas, daria 17 segundos a cada. “Gosto, não gosto, e isto não gosto”. E as fitas na pintura? perguntou ele, Não gosto, já disse, retorquia-lhe ela, mas eles julgam-se em pleno mercado da ribeira a escolherem grelos e uma cabeça de garoupa? pensava eu.

Estariam ali expostas ao público cerca de 24 pinturas do pintor Rui Macedo, de média e grande dimensão em telas e sobre madeira, no Centro de Arte e Cultura da FEA. Estivessem aqueles energúmenos diante de um buffet e despenderiam mais tempo, prestariam mais cuidado e atenção. 

No soalho vários nenúfares de resina (?) obrigavam os visitantes a deambular em seu redor, impondo sem notarmos as perspetivas permitidas ou impossibilitadas, de fitar as paredes, os quadros, a luz e sombras. O casal tanto nem os viu, que ela andou por cima dos nenúfares, penetrando na ampla sala e dela saindo sem mesmo se aperceber. Nem uma ejaculação precoce, eles se permitiriam a si mesmos. Que tristeza lusitana. 

Um outro visitante também ele tuga, também ele bem vestido, de madeixas prateadas cobrindo as orelhas e cujos sapatos deveriam custar umas centenas de euros, veio balanceando o ventre para diante e os ombros para trás. Olhou e apressou-se a colocar a mão sobre a grelha gerando o ar condicionado. Eram grelhas longilíneas subindo na vertical de cor creme convenhamos, emitindo um profundo ronronar de gato sofrendo de tuberculose. Deve ser engenheiro, cogitei forçando-me a me concentrar nas obras de arte. Impossível. Deambulou e repetiu o gesto, seguindo direito à segunda grelha presente na sala. Apalpou, apalpou-a, saindo por fim porta fora. Dos quadros, nada. Não é possível inventar a incúria de tais comportamentos, pois se não os presenciássemos, neles nunca acreditaríamos. Seriam atores, estaria a assistir a uma performance? Não. Eram singelas ilustrações de patetas alegres. Alegres porque notoriamente têm dinheiro, patetas porque inexoravelmente não o sabem usar. E Portugal está repleto desta gentinha, que não aumentam os salários dos seus empregados, mas hipotecam a sua empresa para viajarem de Tesla em leasing, que recusam deixar mais que um euro como gorjeta a quem o atendeu bem, para logo de seguida se deixarem extorquir dezenas de euros no preço de uma garrafa de vinho.

Quantos destes votam no dia 10 de março? Todos. Em quem votam? Nos chicos-espertos como eles. É o país que temos, de ignorantes, de arrogantes e indiferentes ao seu semelhante. Não se admirem de continuarmos na cepa torta. 

Entretanto no meio das várias exposições patentes ao longo dos soberbos três andares daquele histórico edifício, cruzo-me de novo com o primeiro casal com ela sempre a desbobinar “preciso mictar, vamos sair daqui que estes locais não costumam ter casa de banho”. Uns vencedores, somos um povo de vencedores. Dia 10 diante do vosso boletim de voto, pensem: veni, vidi… e escolham.