1. A Resolução do Conselho de Ministros nº 52/2021, publicada em Diário da República no dia 11 de Maio do já longínquo ano de 2021, determina os critérios para a realização das comemorações do quinto centenário do nascimento de Luís Vaz de Camões (1524-1580), “expoente maior da literatura portuguesa e símbolo da vocação universalista da língua e da cultura portuguesas”.
Como sempre sucede, a primeira iniciativa que se prevê no texto deste tipo de Resoluções (a mesma coisa sucedeu na RCM sobre as comemorações do 50º aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974), é a da criação de estruturas de missão ou, no caso vertente, de uma comissão de honra, de um comissariado consultivo e de uma estrutura temporária, esta última composta por apenas uma comissária, com a missão de definir, organizar e coordenar o programa oficial das celebrações, a ocorrer entre 12 de Março de 2024 e 10 de Junho de 2025.
À comissária designada, Rita Marnoto, professora catedrática da Faculdade de Letras e do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, cabia a principal incumbência de apresentação, até final de 2022 (ou seja, ano e meio depois da sua nomeação) uma proposta de programa oficial das Comemorações e a respectiva previsão de encargos para aprovação pelo Governo. Tendo recentemente sido revelado, pela própria, que essa incumbência não foi cumprida porque o programa dependia de estruturas que nunca foram criadas, como podemos permitir que um evento como este tenha ficado “esquecido na gaveta” durante tanto tempo, a ponto de apenas no final do ano passado ter sido preparado o Despacho que institui o Comissariado Consultivo para as ditas comemorações? E que aliás prolonga até 20 de Maio a apresentação do referido Programa, que vigorará entre 10 de Junho deste ano e o mesmo dia de 2025. Ou seja, enquanto a versão inicial previa um ano e meio para as comemorações serem preparadas, a irresponsabilidade, a inimputabilidade e a negligência transformaram esses dezoito meses em cinco! Tudo “em cima do joelho”!
2. Dizem os dados a final de Dezembro de 2023 do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos que, das 60 albufeiras monitorizadas, 16 apresentam disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total e outras tantas têm disponibilidades inferiores a 40% desse volume. Olhando para o gráfico que acompanha tal informação verifica-se com facilidade que é nas bacias hidrográficas do Sado, do Mira, do Barlavento e do Arade que o armazenamento actual é claramente inferior à média, residindo os principais problemas do país no Barlavento e no Arade (que estavam com cerca de 8% e 25% de armazenamento face à capacidade máxima) no Algarve, tendo o Governo anunciado recentemente cortes no abastecimento de água, no caso de 25% na agricultura e de 15% no sector urbano, de modo a fazer face à seca na região.
Ora, todos sabemos que o problema da falta de água no Algarve não é de hoje, estando as soluções técnicas devidamente identificadas e estudadas em detalhe para o resolver. Alguns dos estudos oportunamente divulgados demonstram que a dessalinização da água do mar, opção em cima da mesa e muito em voga (para dar um exemplo, encontramos no Agroportal uma proposta de instalação em Odemira de uma dessalinizadora para abastecer o perímetro de rega do Mira, num investimento estimado em € 200 milhões, proposta baseada em estudo creio que há não muito tempo realizado com o apoio duma empresa israelita), é demasiado cara, além de envolver uma tecnologia que não é dominada em Portugal; afigurando-se portanto de maior sentido adoptar uma solução de transferência de água do Norte para o Alqueva, e daqui para o Algarve, dada a proximidade geográfica das duas localizações, o que não constitui, ainda segundo esses especialistas, qualquer problema técnico.
A questão que se coloca é: de que estão os decisores políticos à espera para evitar que o problema seja resolvido de vez, em lugar de, como sucede com a localização do novo aeroporto de Lisboa, precisarmos de pelo menos 50 anos para tomar a decisão? Por que parecem fugir da transferência de água do Norte (Cávado, Douro e Lima têm armazenagens de 90%, 80% e 70%, respectivamente, da capacidade máxima) para o Sul?
Não é esta inacção demonstrativa de irresponsabilidade (arrastar tomadas de decisão que afectam directamente os consumidores e os agentes económicos em geral), negligência (não fazer tudo para que as soluções sejam implementadas) e também de inimputabilidade (nada suceder a quem tem este tipo de comportamentos)?
Voltando a homenagear Camões, autor do título deste artigo, termino com uma citação de um dos seus sonetos: Erros meus, má fortuna…