Estadista ou politólogo?

Os politólogos olham para a política como para um jogo de estratégia. Os estadistas olham para os órgãos de soberania como uma honra de serviço público.

Queridas Filhas,

Os votos das eleições ainda estão a ser contados (emigração). Mas dado o baixo peso destes, já podemos fazer importantes reflexões. A votação muito expressiva no partido Chega testará o caráter de muitos, que tendo professado princípios imaculados, são agora obrigados a vivê-los quando os resultados não são do seu agrado. Diz-se, e bem, que só acredita na liberdade de expressão quem luta para proteger o discurso de alguém cuja mensagem se repudia. Acho que esta legislatura revelará pela praxis os valores da comunidade política portuguesa e dos seus órgãos de soberania. Entre outras, haverá quatro questões básicas que serão feitas a cada um:

Quem acredita em Democracia? Durante milénios o poder foi concentrado ou numa pessoa ou num pequeno grupo restrito. Portugal em quase toda a sua história esteve nessa situação. Em termos práticos, dada a instabilidade e caos da Primeira República, só já depois do 25 de Abril Portugal se assumiu como uma democracia liberal em que o poder emana do Povo que legitima os órgãos soberanos regularmente através de eleições. Os resultados eleitorais são a voz do povo, o soberano da República Portuguesa. Cabe aos órgãos de soberania, aceitar estes, ouvir as preocupações expressadas, e governar e legislar da melhor forma que sabem em resposta ao voto expresso. A abstenção ao voto é um cartão amarelo à democracia. A redução da abstenção é um sinal de vitalidade e maior aderência ao leque de ideias apresentados. Podemos dizer que a saúde da democracia portuguesa melhorou.

Os governantes são elitistas? Dados as poucas décadas de experiência democrática, muitos hábitos ainda persistem de regimes anteriores, em que por exemplo um grupo restrito de membros de cortes decidiam os temas políticos. Nessas épocas, o peso do Estado na sociedade em termos de funções prestadas e carga fiscal era muito menor que o atual. O Estado cresceu, mas alguns hábitos de governantes persistiram. Assim, assiste-se com frequência a menosprezar votantes em certos partidos como ignorantes, comunistas, fascistas, racistas e outros adjetivos. Isso demonstra falta de humildade e falta de suporte ao princípio basilar de ‘uma pessoa um voto’. Frequentemente isso penaliza quem profere essas afirmações. Lembro-me das eleições de 2016 em que Hillary Clinton se referiu aos apoiantes de Donald Trump como «humanos deploráveis»; declaração infeliz ainda hoje lembrada com frequência. No mesmo sentido, mas de forma mais ‘light’ são declarações categóricas de não se aliar com este ou aquele partido qualquer que seja o resultado eleitoral. Não só demonstra uma tentativa de condicionar as escolhas do povo soberano, como mostra pouco interesse em ouvir a voz e preocupações deste.

Os órgãos de soberania são ocupados por Estadistas ou por Politólogos? Os Politólogos olham para a política como para um jogo de estratégia. O objetivo é acumular poder, manipular escolhas, dizer aquilo que se acha que o povo quer ouvir e servir-se disso para se eternizar nos órgãos de soberania obtendo benefícios pessoais. Os estadistas olham para os órgãos de soberania como uma honra de serviço público. Aceitam servir mesmo em prejuízo pessoal. E fazem o que o país precisa não o que lhes é conveniente. Em Portugal temos o exemplo glorioso de Martim Moniz. A civilização romana foi fundada em parte no exemplo de Lucius Quinctius Cincinnatus.

Para se ser estadista é preciso coragem política. Algo que transforma governos e nações. Algo que infelizmente tarda a voltar a Portugal. Na atual situação temos a perspetiva de um governo minoritário AD frágil, pouco ambicioso e com pouco poder para fazer as reformas que Portugal precisa. Isto beneficia os seus membros, em particular os que irão para o governo. Mas não dará aos portugueses o que eles pediram e que precisam. A alternativa, assumindo falta de acordo com o PS, seria fazer um acordo de coligação com o Chega. Uma humilhação para Montenegro e possivelmente morte, ou pelo menos travessia do deserto política, no final do mandato. Mas a história será mais generosa com Montenegro. Tal como Martim Moniz e Cincinnatus, soube por o interesse da Nação acima dos interesses pessoais.