A vida é um jogo de bola

Porque daremos tanta importância, a esse jogo do futebol? Não, não é por causa daquilo que usualmente se diz, mas sim porque, a vida é um jogo de bola.

Sempre me surpreendo com a altivez dos portugueses, relativamente ao futebol. Descortinamos analisando ao ínfimo detalhe, cada jogada, reação, juízo arbitral, golo ou faltas às leis do jogo de bola, levando várias pessoas a admitirem que, se igual fizéssemos e com idêntica veemência, em relação à política e aos seus atores, Portugal poderia ser um fantástico país e uma justíssima sociedade para vivermos.

Porque daremos tanta importância, a esse jogo do futebol? Não, não é por causa daquilo que usualmente se diz, mas sim porque, a vida é um jogo de bola. E o povo português, não sendo mais sábio que outros, é de um sentimentalismo irreparável.

Nesse jogo, tal como na nossa vida, sabemos quando se inicia, com o estridente soar de um apito, ou o ecoar do surpreendente choro de vida, que todos em ambos os casos ruidosamente festejam. 

Esperam-se momentos de alegria, que as coisas corram bem, que seja um jogo lindo, uma linda vida repleta de golos, de boas jogadas, de risadas e coroado pela vitória. Contudo, evitamos sempre pensar no azar, nas adversidades, ou seja, nas possíveis derrotas. Ou no marasmo de um insonso empate, uma triste vida sem esperança, nem cores, empurrando a bola com a barriga sem nexo nem balizas.

Nas primeiras dezenas de minutos ou de anos, cremos jogar numa das equipas de onze, mais uns quantos suplentes, heróis de uns temidos por outros, com o nosso nome inscrito nas costas e entoado pelas multidões. Contamos com uma equipa técnica e as melhores condições para nos ajudarem a crescer, transformar, em suma, ganhar. 

Em frente de nós, os adversários com cores diferentes nas camisolas. Eles são os feios, nós os lindos. Somente por isso, eles merecem sair derrotados, tanto como nós de sairmos vitoriosos, a vida assim é a preto e branco e o futuro anda sempiternamente diante dos nossos olhos. 

Displicente a bola roda, distraído o tempo passa, quando algo novo sucede: as crianças entram em jogo. E é engraçado, parecem mini adultos que nos entretêm, orgulha e divide-nos entre o tempo que sobra para jogar e os nossos deveres de acompanharmos as camadas mais jovens. Vê-los crescer, rir, correr, dar pontapés na bola, retira-nos a capacidade de olhar o cronómetro onde, igual a um relógio de parede, os ponteiros invisivelmente aceleram, levando-nos a esquecer que o jogo tem um término, terá um apito final. 

Já não jogamos seriamente à bola, damos uns toques enquanto os infantis cresceram, e quando ao parar olhamos em redor, sem nos aperceber mudámos de equipa. A camisola vestida não tem agora qualquer cor, mas é uniforme e negra. A equipa outrora imensa, reduziu-se a três ou quatro elementos, e ao invés de pontapearmos vigorosamente a bola, puseram-nos um apito na mão. Só nos resta correr atrás de quem joga, sem tocar no esférico, e a única função reduz-se a soprar e apitar, esperando que nos ouçam, que nos respeitem. Por quanto tempo? Não sabemos. Sabemos que enquanto o cronómetro girar, permanecemos dentro do campo. Apesar de ninguém nos aplaudir. 

Perdeu boa parte da graça, no entanto ainda estamos no terreno de jogo. Acreditamos continuar em jogo, para não perdermos o sentido, a razão. 

Espreitamos a hora, minuto a minuto e quando tememos vê-la chegar, anunciamos um tempo extra, um prolongamento ao jogo, que não poderá ser mais que breve, em forma de miragem, de esperança em busca por um milagre: que nunca aquilo terminasse. A cereja em cima do bolo, seria se porventura miraculosamente regressássemos a trajar as cores de antes, voltássemos a ter o nosso nome nas camisolas e a sermos mais que muitos, na equipa e em redor dela, pontapeando sem parar, sem nos cansar, a bola de outrora. 

Inútil. Não vai acontecer, cabe aos pequenos fazê-lo. Resignados, decidimos levar o apito aos trémulos lábios e findar com aquilo. É como se mostrássemos a nós próprios, o cartão vermelho. Acabou. 

Com sorte, veremos os outros jogarem na televisão, onde as nossas pantufas por vezes se movem, procurando tocar na bola. O jogo que olhamos tornou-se confuso, não é como antigamente, brigamos com o árbitro, criticamos as equipas, zangamo-nos com o vizinho e com azia suportamos a enfermeira, que nos enche de comprimidos.

Não percebemos, o que fazemos aqui. Como se alguma vez, o tivéssemos percebido