Quem não tem? Eu ainda não tenho netos, mas a minha avó dizia que apesar de não existirem filhos preferidos, netos já se podia ter. E a minha avó era assim como o Marcelo: não disfarçava. Os preferidos eram os rapazes e os mais velhos. Ao resto dos netos ligava pouco ou não tinha muita paciência. Muito menos para crianças barulhentas, ou “pespiretas” – que era como chamava às crianças que se armavam em espertas. Era a pessoa mais importante da casa, a minha avó, da sua e da dos filhos. Onde estava, reinava. Os netos não se ofendiam com este tratamento desigual, que apesar de desigual não era injusto porque não se materializava em géneros ou chocolates. Nesse capítulo, todos tínhamos direito a um quadradinho de chocolate antes de ir para cama, de um bolinho no café ou de presentes de igual qualidade e quantia no Natal. Era uma inevitabilidade por se ser neto: não ser o neto preferido por não ser rapaz nem o mais velho. E a minha avó, por ser mãe e sempre velhinha – uma vez que os avós são sempre velhinhos –, tinha esse direito. Uma espécie de prorrogativa que ganhou por andar devagarinho, ouvir mal e por ter mais anos que os nossos pais. Por ser uma pessoa de respeito a quem não se levantava a voz apesar da surdez. «Não é preciso gritar, basta falarem explicado», corrigia com rigidez quando nos atrevíamos a subir os decibéis.
O fato de Marcelo anunciar à imprensa que tem um neto preferido, faz lembrar a minha avó. Só que a minha avó tinha o recato de não o dizer, só não disfarçava. Muito menos o teria feito a estrangeiros. Seria uma falta de patriotismo, no seu entender de Nação. Confessar alto e em bom som que se tem um neto preferido, é coisa que se faz entre amigas também velhinhas e avós porque não há nada que se goste mais do que gostar de um neto, dizem. E de o gabar e mimar e estragar.
Ao contrário dos filhos, aos netos preferidos tudo se permite. Eles são filhos a dobrar e só com qualidades: os eventuais defeitos que tenham não são deles, mas sim da nora ou do genro. Com os filhos não é bem assim. Os pais passam a vida a educar os filhos, são obras e projetos que teimam em não acabar. Há sempre qualquer coisa a melhorar, a corrigir ou a preocupar. Os netos já vêm prontos mesmo que tenham acabado de nascer. O neto preferido não precisa de educação. E os que precisam, porque são “pespiretos”, não contam. Os netos iludem, já os filhos desiludem. Ou por causa das notas, do quarto desarrumado, da namorada ou do corte de cabelo. Há sempre qualquer que serve para desiludir pais, porque são sempre um trabalho inacabado. Os netos não correm esse risco.
O erro do filho do Presidente Marcelo foi não ter pedido ao neto do Presidente Marcelo para enviar o email ao Presidente a pedir coisas ao avô. O neto preferido – o mais velho, de 21 anos, como explicou o Presidente aos jornalistas estrangeiros –, pode pedir tudo. O remédio para as gémeas, andar de skate no Palácio de Belém, puxar o cabelo ao Presidente ou até pintar-lhe as unhas como fazem os netos aos avós. E nunca teria sido renegado. Até porque nenhum avô aguenta passar um Natal sem o neto preferido. Agora já sabemos: o email mais importante do país é do neto do Presidente. Assim como o meu irmão mais velho era a pessoa mais influente para conseguir chocolates da minha avó.