Aos pais com filhos pequenos

A forma como os filhos crescidos tratam os pais, diz mais dos pais do que dos filhos. Diz que aqueles olhinhos suplicantes nos iludiram. Que não soubemos dizer que não porque não.

Há um dia em que eles crescem e ficam maiores do que nós. Não se consegue imaginar, mas sabemos que esse dia chega. É o dia em já não cabem no nosso colo e apenas conseguimos que eles se aninhem e encostem, mas pouco mais. Os nossos braços já não lhes dão a volta e o peso e a altura que atingem fazem-nos sentir pequeninos. Já não querem mimos, evitam perguntas e preferem a mão dos namorados à nossa. Deitam-se mais tarde, têm mais agilidade, mais força, mais resistência do que nós. Parecem autossuficientes. Sabem mais das novas tecnologias e das modas. Sabem imensas coisas que já não queremos saber e muito menos queremos aprender. E dizem «eu é que sei». Deixam de nos perseguir para todo o lado, não choram de saudades, ouvem-nos com paciência e muitas vezes por favor. Fazem silêncios e deixam-nos de fora dos seus pensamentos, do quarto e dos amigos. É o dia em que deixamos de ser o centro, o universo, das suas vidas. E nós ficamos com mais tempo mas nem por isso mais livres. As nossas obrigações e responsabilidades mantêm-se e as preocupações, apesar de serem outras, até aumentam.

Nesse dia, que vem de repente, é quando percebemos se os educámos. É o dia em que sabemos se conseguimos ter autoridade sem força, se conseguimos impor respeito apesar de não termos tamanho e se apenas com um olhar e um tom de voz mais firme os conseguimos intimidar. Caso constatarmos que não, será ao contrário: são eles que se impõem pelo tamanho, são eles que nos calam porque levantam a voz e nos intimidam porque o olhar deixa de ser enternecedor e passa a insolente e desafiador.

Diz que há uma idade em que isso acontece, em que eles se desapegam dos pais e têm a fase mais irritante de todas. Mas há limites. E é nesses limites que vemos a educação que lhes demos. E levamos com o resultado das birras que deixámos passar, os castigos que não demos quando devíamos, as vontades que lhes fizemos só para os calarmos e as regras que não fizemos cumprir.

Deixar que uma criança bata com o pé, fale alto, não nos obedeça e faça o que quer quando quer, é permitir que um adolescente um palmo mais alto, de voz grossa e ombros largos, nos olhe de cima para baixo. É habitua-los desde pequeninos que são eles quem mandam e nós, os pais, quem devemos obedecer e calar. Se sempre foi assim, não é com a idade que eles vão aprender a ser de outra maneira.

A forma como os filhos crescidos tratam os pais, diz mais dos pais do que dos filhos. Diz essencialmente que aqueles olhinhos suplicantes e a fragilidade infantil nos iludiram. Que não soubemos dizer que não porque não, que tivemos preguiça em vê-los chorar e que não os ensinámos que há modos, expressões, gritos e vontades proibidas.

Vemos demasiados pais a serem desprezados pelos filhos e demasiados filhos adultos a tratarem os pais com paternalismo insolente e impaciência agressiva só porque não há leite fresco, porque não percebem nada das redes sociais e porque precisam dos óculos para ler os rótulos. Pais que se encolhem para deixarem os filhos passarem, servirem-se primeiro e falar mais alto.

«De pequenino de torce o pepino»: ou fazem isso ou estão fritos.